Por Paula Jacob
Foram mais de dez anos de pesquisa com mulheres e meninas da Ilha do Marajó para Marianna Brennand chegar no que viria a ser o roteiro de “Manas”, filme lançado no Festival de Veneza em 2024, vencedor do GDA Director’s Award – importante reconhecimento da mostra paralela Giornate Degli Autori. Disponível em streamings (como Vivo Play e Claro TV), tem arrancado lágrimas da audiência com uma história centrada em Marcielle (Jamilli Correa), garota de 13 anos que sofre as consequências de uma cultura fincada no silêncio e na normalização dos abusos de jovens na região paraense.
Com uma carreira excepcional como documentarista, a cineasta faz a sua primeira ficção, sem deixar de lado a sensibilidade característica de seus projetos anteriores. “A ficção foi a única forma de contar essa história sem reproduzir a violência. Pensei inicialmente num documentário, mas entendi que seria antiético colocar mulheres e crianças revivendo traumas diante das câmeras”, conta ela à BAZAAR poucos dias após receber o prêmio Women in Motion Emerging Talent Award 2025 – iniciativa da Kering em parceria com o Festival de Cannes.

Marianna Brennand foi a primeira brasileira a vencer o prêmio Women In Motion em Cannes. A diretora foi reconhecida por “Manas” e dividiu a homenagem com Nicole Kidman em cerimônia que celebra a força das mulheres no cinema mundial – Fotos: Mariana Maltoni/Divulgação
Na cerimônia, que celebrou as mulheres da indústria, Marianna usou seu discurso para enaltecer a relevância das vozes femininas. “Estamos em um momento de conquista. Temos mulheres potentes no cinema, como Laís Bodanzky, Sandra Kogut, Anna Muylaert, Petra Costa, Carolina Markowicz… Sempre estivemos prontas, agora estamos nos levantando.”
“Manas” é uma sublime união de saberes técnicos e artísticos que resulta em uma experiência audiovisual inesquecível. A direção de fotografia de Pierre de Kerchove, por exemplo, enfatiza as elipses do roteiro de Marianna e apresenta um outro ponto de vista para a temática. “Não queria nenhuma cena de violência explícita ou que reproduzisse o olhar do agressor. Buscamos proximidade com a personagem, mas com respeito. A câmera se aproxima – sem invadir. E os planos abertos criam uma tensão constante com a natureza ao redor. [Essa escolha] foi um posicionamento político.”
Considerando o teor da história e como ela foi filmada, outra característica é a presença da montagem como marcador de um suspense que paira no ar – já que não estamos vendo as coisas acontecendo, precisamos senti-las. “Tudo foi pensado para criar envolvimento sem afastar o público. O filme só funciona se o espectador se conectar com a menina.” É impossível falar de “Manas” sem citar a brilhante atuação de Jamilli Correa, em seu primeiro papel. No começo, uma criança radiante e inventiva, depois, sua vida é paralisada no olhar perdido. “Fizemos uma preparação delicada, sem que ela lesse todo o roteiro. Ela sabia da temática, mas conduzi com cuidado para protegê-la”, conta a diretora. “A emoção de Jamilli vem do silêncio, dos olhares.” Somam-se a ela os talentos de Dira Paes, Rômulo Braga e Fátima Macedo.
Fora das telas, o filme terá circuito especial, voltado para comunidades onde o cinema não chega, começando pelo Marajó. “Criamos o movimento ‘Manas Apoiam Manas’, um manifesto de acolhimento e apoio às mulheres. Queremos inspirar, encorajar e fortalecer quem vive em silêncio.”