Foto: Pupin Deleu

Isabelle Nassar, 34 anos, é Olga na segunda temporada de “Bom dia, Verônica”, uma das séries de maiores sucessos da Netflix. Ela se joga em tudo o que vem pela frente, mas se prepara, e muito, para tal. A personagem, muito enigmática e complexa, é um dos pilares da organização mafiosa criada pelo personagem Matias (Reynaldo Gianecchini), sendo investigada por Verônica Torres (Tainá Müller). Sobre as decisões que sua personagem irá tomar durante a temporada, Isabelle destaca e pondera: “Olga é muito silenciada! Uma vítima social do patriarcado, mas um outro patamar de vítima, não tirando a culpa da presença dela na máfia, mas ela acaba entregando para sociedade aquilo que colocaram para ela”.

Atriz, dramaturga e pesquisadora, Isabelle se formou em artes dramáticas pela mais antiga escola de teatro da América Latina, a renomada E.E.T Martins Pena, em 2016, e é bacharel em artes cênicas, formada em 2018, pela CAL (Casa Das Artes de Laranjeiras). Ela também é pós-graduanda em filosofia contemporânea pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica), onde pesquisa o corpo e suas diversas manifestações.

Esteve no elenco do espetáculo “O Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa, dirigido pela premiada diretora teatral Bia Lessa. Nascida no Rio de Janeiro, mas criada no interior do Brasil, em Minas Gerais, Isabelle iniciou sua carreira artística no ano de 1994, aos 6 anos de idade, com a dança. Foi modelo internacional, desfilou para grandes marcas e hoje estreia em seu primeiro personagem no audiovisual.

O que vem pela frente ela não sabe ainda, mas tem um filme para estrear no Brasil ainda neste ano, “Delicadeza”, está escrevendo um livro de poemas e gostaria muito de fazer uma novela, uma obra aberta e que seria mais um aprendizado para ela. “Eu gostaria de viver essa experiência, uma obra aberta. Porque tem sido muito rico para mim essa troca com o público”, diz.

Casada com o empresário Alexandre Carvalho e mãe de Maria, de 11 anos, ela tem curiosidade por pessoas e se dedica a tudo com o mesmo afinco que no início de sua carreira. É uma amante da relações interpessoais e da própria vida. Vem muito mais dessa mulher pela frente, é bom ficar de olho. 

Leia a seguir entrevista que Bazaar fez com a artista via Zoom. 

Foto: Pupin Deleu

Queria que você contasse como tudo começa. Você iniciou sua carreira na dança, ainda muito jovem?

Eu nasci no Rio e com dois meses fui para Minas Gerais, para uma cidade bem pequena chamada Itaúna, então me considero mais mineira que carioca. Eu sempre tive muito interesse por pessoas, na verdade, por gente, por histórias, pelo cotidiano. Eu comecei com teatro de rua ainda criança, mas como as possibilidades eram poucas na cidade, a dança me resgatou, dança contemporânea e jazz. A arte sempre esteve muito presente, eu sempre escrevi, dancei, interpretei. E com o passar do tempo eu entendi que a interpretação poderia convergir todos esses talentos. 

Como surgiu a oportunidade de ser modelo?

Surgiu, na verdade, é aquela história que sempre acontece, eu estava no shopping e um olheiro me viu e disse que eu tinha muita possibilidade de trabalhar como modelo. Até então, isso nunca tinha passado pela minha cabeça. Entendi isso como uma chance de expandir esse meu interesse por pessoas. Acabei indo para a China com 15, 16 anos, e eu me lembro que ficava observando as pessoas, como elas faziam as coisas, como conversavam. Eu fui escrevendo essas histórias com o passar dos anos, fui entendendo como funcionava. Eu fiquei muito tempo de Ásia, fiz China, Japão, Turquia, Hong Kong e Europa, morei muito tempo em Milão. E foi lá que comecei a fazer aulas de interpretação e filosofia. Então esses sete anos em que eu morei fora do País foi trabalhando como modelo, fazendo meu pezinho de meia, mas foi também investindo um pouco nessa formação artística. Eu não tinha certeza que iria trabalhar com interpretação, hoje em dia faço pós-graduação em filosofia contemporânea na PUC-RJ, mas a atuação me visitou e pensei se era realmente para mim, e hoje sei que é a coisa que eu mais amo fazer.  

Enfrentou perrengues com machismo durante sua carreira como modelo, naquela época?

Naquela época e sempre, né? Eu peguei a moda em uma época de transição. A gente está falando de internet, mas é tudo muito novo, se comparado àquela época. Então os abusos de cachê, a insalubridade, os apartamento de modelos… Eu morava em um apartamento com outras 22 meninas, em São Paulo, em um apartamento de quarto e sala. Essas denúncias não eram tão ativas como hoje em dia. Atualmente as militâncias, reclamações são muito mais faladas. Naquela época as agências eram muito mais verticais, o machismo era muito mais imperativo. Hoje eu vejo as pessoas falando “mas é modelo”?, com uma indagação, mas modelo trabalha para caramba, você chega para fotografar e são 80 peças de roupas, até a hora do almoço faz 40 e depois as outras 40, tem horário para entrar, para sair, é um trabalho muito mais braçal que glamoroso. Existem muitas séries falando sobre  modelo, mas sempre levando para um local sexualizado, a questão da droga… Não estou dizendo que não existe, mas existe em todas as profissões. É preciso falar da questão do trabalho, que é muito, a questão dos cachês, que é sempre uma incógnita, você nunca sabe direito o que está ganhando. Então hoje em dia eu sempre tento levantar essas questões desse mercado. 

Como nasce a atriz, porque você também é pesquisadora, dramaturga… Conte sobre esse pacote todo.

Na verdade, quando eu voltei para o Brasil e pensei o que eu poderia fazer, eu comecei a estudar direito. E logo no terceiro período tinha uma matéria que era técnica de interpretação para direito penal, aí eu comecei a fazer essa matéria e nunca mais saí, larguei o direito. Fui para a escola Martins Pena, que é uma escola centenária, que formou Procópio Ferreira, e comecei a escrever minhas peças. Depois eu foi para a CAL, onde me formei também, dando continuidade aos meus trabalhos no teatro e comecei a ter uma autonomia como artista, e comecei a criar trabalhos que falassem sobre o feminino, que falassem sobre a mulher especificamente. Hoje faço pós em filosofia e estou tentando encarar o mestrado logo em seguida. Eu acho que os teóricos são verdadeiros artistas, conseguem articular várias frentes, pensamentos, então eu acho que a gente precisa estar em contato com isso. E eu me sinto muito fortalecida, quanto mais eu estudo mais eu aprendo, porque acho que o caminho nunca está pronto. Escrever, produzir, dar aula de teatro acabou me fortalecendo. 

Você dá aulas de teatro também?

Dou oficinas. 

Você é casada e tem uma filha de 11 anos, como concilia tudo isso?

Hoje em dia é muito mais fácil, ela é “autolimpante”, já é muito parceira. Eu fui mãe cedo, com 22 anos quase 23, e o que parecia difícil naquela época, hoje é fácil. Hoje eu tenho 34 anos e minha filha 11, quando eu tiver 40, na flor da idade, ela vai ter 18. A Maria é muito boazinha, quando ela nasceu eu estava entrando na faculdade, ela vivenciou tudo isso, eu ia sempre para o teatro e levava ela para as coxias, ela sempre viajava comigo e com as companhia de teatro, um tomava conta aqui, minha mãe também ajudava. Ela não nasceu em berço feito, ela acompanhou tudo, nossa relação é bem de companheirismo. Ela está se tornando um ser humano fácil, atento. 

Foto: Pupin Deleu

Como surgiu a oportunidade de Olga, em “Bom dia, Verônica”, é seu primeiro audiovisual?

Na verdade eu já tenho um longa rodado, foi em 2021, “Delicadeza”, ele foi finalizado neste ano, está rodando os festivais internacionais e deve estrear no Brasil. Mas o que estreou mesmo foi “Bom Dia, Verônica”. Eu faço parte do elenco de “Grande Sertão Veredas”, dirigido pela Bia Lessa, e eles [produtores] me viram em cena, durante uma temporada longa no Sesc Copacabana. Antes da pandemia nós íamos levar a peça para o Inhotim a Céu Aberto [projeto do Museu Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais]. Eles [os produtores] ficaram comigo na cabeça, menina boa e tal, quando tiver uma oportunidade vamos chama-la para um teste. E assim foi feito, quando abriu o teste para a série, eu fiz e passei. Nós estamos muito impactados com essa segunda temporada, com o resultado. Uma porque está no TOP 10 em 27 países. Essa possibilidade de contar boas histórias, eu queria que minha estreia fosse em um trabalho de qualidade, demais que seja com a Netflix, sendo visto em tantos países. É entretenimento, ela fala sobre vários lugares, mas é também uma série que fala sobre denúncias, denúncia/alerta, alerta/denúncia, nós estamos falando de violência contra a mulher. A gente está falando de coisas que acontecem no Brasil, pessoas em cárcere privado, estamos falando de violência infantil também, que é o tema da minha personagem. Então a gente recebe muita mensagem sobre a importância desse alerta. Isso para mim é primoroso, faz sentido toda a minha vida.  

Como você criou a personagem? Em que se baseou?

Na verdade, a Olga no roteiro tinha 55 anos, e a equipe fez uma aposta de colocar uma pessoa mais nova e ver no que dava. Eu me espelhei muito nessas mulheres que são reais, que acabam sendo seduzidas por essas lideranças espirituais perigosíssimas, que a gente tem milhões, me espelhei no que leva essas mulheres a acreditarem piamente nesse homens. Então eu vi muitos documentários, procurei falar com pessoas que vivenciam essa fé dessa maneira, para tentar humanizar a Olga, ou seja, por que ela faz isso? A Olga acaba assumindo uma culpa que não é só dela, sabe? E isso para mim faz muito sentido na nossa sociedade hoje em dia. Por que a culpa cai sempre sobre as mulheres? Por que elas não conseguem falar sobre o acontecido? Eu não estou eximindo a Olga da maldade dela, da responsabilidade que ela tem em relação à obra. Mas eu estou tentando chamar atenção para essa responsabilidade, que é de todo o sistema, e ela também está inserida nele. É uma responsabilidade que não é só do audiovisual, é de toda a sociedade e do estado. Falar sobre abuso, dependência, tráfico infantil, tráfico humano, é uma responsabilidade geral. Então quando falamos desse temas, é mais gente tomando conhecimento desses gatilhos. O tráfico humano existe, ele é real.

A Olga é submissa, calada, silenciada, como você diz. Ela vai se rebelar em algum momento?

Eu acho que esse foi o grande mote da escrita. A Olga é a convergência dessa mulher submissa e calada, que não teve redenção ainda, não sabemos como será na terceira temporada. As pessoas perguntam se ela tem um caso com o Matias (personagem de Reynaldo Gianecchini). Eu falo como o Giane, o que as pessoas querem , que nós [os personagens] tenhamos um caso secreto (risos)?  

E foi pesado isso para você, teve cenas difíceis de fazer?

Essa cena que você está vendo [quando Mathias e Olga estão escolhendo as meninas], que é uma das mais elogiadas da série… É uma cena curiosa, porque a gente quase não fala, só com o olhar, foi uma cena de muitos gatilhos. É claro que todo mundo que estava lá era maior de idade, mas elas estão representando menores de idade, e é duríssimo pensar nessa hiperssexualização da mulher, hiperssexualização da modelo, porque elas entram ali em um lugar em que eu já estive [quando modelo]… E essa “pornografia” em um lugar institucionalizado, porque a gente sabe que isso existe, não só o tráfico, porque ali é uma ficção, mas esse olhar para a mulher a gente sabe que existe, principalmente para crianças. O que tem de documentário falando disso, orientando os pais a não deixarem as crianças em redes sociais porque está cheio de maníaco… é muita coisa. Eu fico muito fez que na moda já tenha ocorrido mudanças, antigamente eram só fotógrafos, cineastas homens, hoje tem muitas mulheres fazendo esse trabalho e trazendo um olhar muito mais voltado às questões femininas.

Foto: Pupin Deleu

Toparia fazer uma novela?

Muito. Um que a experiência é outra, na Netflix a gente grava de três a cinco cenas por dia, então a gente tem tempo a mais ali de decupar as cenas, novela é uma frente maior, né? Tem gente que grava até 20 cenas por dia. Eu gostaria de viver essa experiência, uma obra aberta. Porque tem sido muito rico para mim essa troca com o público.

E um reality, você participaria?

Reality (risos)? Eu não sei, nunca passou pela minha cabeça participar de um reality. 

E quais são os próximos projetos, o que você pretende fazer? 

Olha, tem o filme “Delicadeza”, que deve estrear ainda neste ano. Estou escrevendo um livro de poesias, um livro de fragmentos poéticos, na verdade, salve os poetas, porque acho que eles estão em um lugar muito mais sublime que o meu. Ao longo da minha vida eu venho escrevendo fragmentos poéticos, gravando vídeos e juntando todo esse material pensei que daria um livro legal. 

Como avalia o arte no momento atual do País? Está difícil fazer arte no Brasil?

Da perspectiva dos artistas como grandes guerreiros, batalhadores, 1 milhão por cento. O audiovisual tem um respaldo maior, as pessoas têm contratos mais longos, financeiramente são mais bem geridas, mais bem pagos, porque está dentro de uma indústria.  Mas no teatro, que foi de onde eu vim, foi muito triste tudo o que aconteceu. Eu vi esses artistas guerreiros tentando vender suas peças… Do ponto de vista de quem gere eu estou muito entristecida. Os teatros do Rio são geridos pela prefeitura ou pelo estado, eles estão em decadência, sabe? Um trabalho de anos foi jogado fora, muitos artistas passando necessidades básicas, sem dinheiro para pagar aluguel, há peças que não saem. Então eu percebo que a cultura, sobretudo no âmbito federal, está passando por um descaso muito profundo, só que a cultura é um dos pilares fortes da sociedade. Você pega os países mais desenvolvidos do mundo e eles têm a cultura como… A Holanda, por exemplo, investe 500 mil euros por ano em novos trabalhos na América Latina. Eles dão subsídios porque sabem que essas pessoas continuarão reverberando cultura daqui 20, 30 anos. Então hoje em dia eu fico triste, mas esperançosa, ao mesmo tempo. Cultura e edução são pilares de sustentação da sociedade. 

Como cuida da beleza, é ligada nisso?

Eu gosto de me cuidar como um todo, gosto de fazer exercício, mas eu gosto mais mesmo é de ser feliz. Eu acho que a minha beleza é reflexo daquilo que eu busco para mim. Das coisas que eu acredito, da conexão com o universo, com a vida, com os livro que eu leio. Não tenho problema nenhum sobre envelhecimento. Ainda não fiz nada, nenhuma intervenção, mas acho que a mulher é muito plural e pode fazer o que quiser em relação a tudo isso. Eu acho que a beleza é reflexo de um tempo, e está tudo certo. Eu vejo muitas meninas passando por etarismo, “quando ela era jovem, era linda”. Por isso acho que beleza é reflexo de um tempo.

Como lida com as redes sociais? 

Eu sempre tive uma questão com as redes sociais, pensando se estava postando certo, se era isso ou aquilo, mas foi o primeiro lugar em que postei os meus poemas, e deu muito certo. Eu recebo pessoas dizendo eu estavam em um momento de depressão e que viram meu poema, foi muito legal. Para mim é um momento de troca. Estou aprendendo a lidar com as redes hoje em dia, a responder, mas acho que as redes sociais são muito importantes, vejo mais benefícios que malefícios. É claro que você precisa aprender a gerir seu tempo, porque você abre a mão e ele voa, mas estou aprendendo a lidar com as redes, estou aberta a críticas e sugestões (risos).

Você já teve algum hater?

Ah, eu tenho por conta da minha posição política, nem sou superpartidária, mas sempre tive uma direção nesse sentido em relação ao governo atual, claro, sou artista, é muito difícil, então quando eu posto eu sempre recebo a mesma frase: “acabou a mamata, Globo lixo”. Só que eu nunca foi da Globo e nunca tive Lei Rouanet. Tirando essas pessoas politicamente contrárias à minha opinião, eu tenho recebido muito mais carinho e afeto do que retaliações. Mas, claro, conforme a gente vai crescendo essas coisas vão crescendo também, e tudo bem. 

Foto: Pupin Deleu

Tem algo que você gostaria de falar que ainda não falamos?

Eu faço questão de mostrar o meu caminho artístico que foi longo para chegar até aqui. Eu falo da minha formação acadêmica, da qual eu tenho muito orgulho, que é um lugar conquistado, de muito merecimento. E acabo me esquecendo de falar da Isabelle, que é essa menina aqui, que adora postar uma foto bonita, ter comentários, por medo de um julgamento social por questão estética, que a mulher tem de ser isso ou aquilo, ou acadêmica ou modelo, e eu acho que não, eu venho em todos os meus trabalhos tentando romper com esse padrões, mas, às vezes, eu me vejo caindo nessa opressão social. As pessoas vão me julgar independentemente do que eu faça.