Por Paula Jacob
Um dos livros mais clássicos e controversos da literatura francesa, “Les Liaisons Dangereuses” (1782), de Pierre Choderlos De Laclos, sacudiu a aristocracia da França pouco tempo antes da Revolução tomar conta do país. Na história emaranhada por cartas, o autor cria um retrato irônico e afiado sobre as ambiguidades que moram na relação entre desejo, poder e vingança. A obra não passou despercebida pelo cinema: teve desde produções ítalo-francesas, como a de Roger Vadim em 1959, até uma inspiração brasileira, com a minissérie de 2016 da TV Globo. Mas a versão de 1988, dirigida por Stephen Frears, talvez seja a mais aclamada, até pelo elenco composto por Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman e Keanu Reeves.
Quase quarenta anos depois, a temática e o romance ganham outro fôlego com a nova série da HBO Max, “The Seduction”. Dirigidos pela cineasta francesa, os episódios – lançados semanalmente às sextas-feiras – mudam a perspectiva da história e colocam no centro das ações e decisões as personagens femininas Isabelle de Merteuil (Anamaria Vartolomei) e Madame de Rosemonde (Diane Kruger). Contudo, não é só isso que muda: há adaptações no roteiro de Jean-Baptiste Delafon, Palud e Gaëlle Bellan que modificam a idade dos personagens e algumas interações sobre eles. Não é necessariamente um prequel, mas também não é aquela versão 100% atrelada ao livro.
Na trama, Isabelle, uma jovem desonrada, é seduzida e descartada por Visconde de Valmont (Vincent Lacoste). Com ódio da humilhação que passou para diversão de herdeiros, ela tenta recompor a sua reputação e acaba ganhando uma mentora, Madame de Rosemonde, tia de Valmont. Assim, as duas começam uma jornada de sedução pela alta sociedade parisiense em busca de liberdade, conforto material e sexualidade feminina. A BAZAAR conversou com Anamaria Vartolomei e Diane Kruger sobre as ambiguidades das personagens, figurinos emblemáticos e a vez das mulheres no cinema.
Harper’s BAZAAR – Como foi o processo de preparação e construção das respectivas personagens?
Anamaria Vartolomei – Eu recebi apenas o primeiro episódio quando a Jessica me apresentou o projeto, e aceitei imediatamente, porque havíamos trabalhado juntas em “Meu Nome É Maria” meses antes. Gostei muito da nossa colaboração e nos prometemos que voltaríamos a trabalhar juntas em algo mais desafiador – e Isabelle de Merteuil era a escolha perfeita.
Desenvolver uma personagem ao longo de seis episódios era algo que eu nunca tinha feito antes, então achei empolgante. Queria mostrar a sua evolução. No começo, claro, eu me inspirei na interpretação da Glenn Close e imaginei que a Isabelle que conhecemos fosse o destino final da personagem. Mas, como este é um prelúdio, eu e Jessica tivemos a liberdade de inventar quem ela era antes de tudo – e o que a leva a se tornar aquela mulher. Essa jornada, de uma inocência inicial que lentamente se transforma em algo mais sombrio, foi a parte mais interessante de desenvolver.
Diane Kruger – Para mim, foi um trabalho em conjunto. Tivemos a oportunidade de mergulhar profundamente naquele período histórico. A HBO nos deu todos os meios para construir esse universo exatamente como você vê na tela. Os figurinos foram criados do zero, filmamos em locações incríveis que nos colocavam imediatamente na atmosfera das personagens. Trabalhamos o diálogo por meses, porque é um francês antigo – não sei se dá para perceber a diferença, mas não é o francês falado hoje. Cada detalhe estava no ponto certo: o design de produção, a luz, tudo. É raro, como atriz, ter a chance de participar de algo tão grande e tão bonito como esta série.
HB – Falando em figurinos, como foi o trabalho com as equipes de figurino e direção de arte para mergulhar tão fundo nesse período?
AV – Como Diane adiantou, cada peça que usamos foi feita do zero, um processo longo também porque sempre foi pensado em como a roupa poderia dizer sobre a personagem naquele ponto da história. Por exemplo: Valmont é mais desalinhado; Gercourt é excessivamente exuberante; Rosemonde esconde o pescoço com lenços e colares porque teme mostrar a idade. A minha personagem, no começo, usa roupas menos ornamentadas por sua origem desafortunada. Conforme se torna Isabelle de Merteuil, seus vestidos ficam mais elaborados. E adorei que, conforme a alma dela vai sendo corrompida, suas roupas também ficam mais escuras.
A Pascale Chavan, nossa figurinista, tomou algumas liberdades criativas, como me colocar usando decotes quadrados que não eram historicamente precisos. Jessica também queria sugerir mais do que mostrar – mais pele, mais sensualidade. Tudo isso nos ajudou muito na construção das personagens.
HB – A série explora a relação entre desejo e poder a partir da perspectiva de duas mulheres. Como foi trabalhar esse aspecto com a diretora, Jessica Palud?
DK – Acho que isso foi justamente o que nos atraiu para o projeto. Normalmente, histórias clássicas como essa são contadas pelo ponto de vista masculino – o protagonista, o desejo masculino, o olhar masculino. Queríamos mudar essa perspectiva. Era interessante pegar um livro tão conhecido e clássico e perguntar: “O que muda se olharmos por outro ângulo?” As personagens femininas, nesses relatos, raramente têm a mesma profundidade que os homens. Aqui, tivemos espaço para construir figuras novas, com uma certa modernidade. Isso foi incrível!
HB – Pensando nesse quesito, como você enxerga esse movimento atual no cinema e na TV de dar mais espaço para personagens femininas complexas, que não são simplesmente boas ou más?
DK – Acho que já era hora. Estamos aqui desde sempre, representamos metade da população, então é meio absurdo que isso não tenha acontecido antes. Mas agora é o momento de as vozes femininas serem ouvidas. Durante anos, dizia-se que filmes protagonizados por mulheres não funcionavam nas bilheterias, ou que televisão era o único lugar onde podíamos ser protagonistas. Isso está mudando porque o mundo está mudando – e porque há mais mulheres em cargos de decisão. Então, é um ótimo momento para contar as nossas histórias, com mais profundidade, alegria e todas as nuances que nos tornam quem somos. É empolgante ser mulher – como sempre foi.






