Dayana Molina - Roupa manifesto: nossa pele no mundo

Dayana Molina – Foto: Acervo pessoal

Por Dayana Molina

O têxtil é protagonista desde o nosso nascimento até nossa morte. A pele é o primeiro tecido que nos veste. E é no tecer da vida, que descobrimos a importância do corpo ser nosso próprio manifesto. A pele abraça nossos processos; a continuidade do sentir, elaborar, evoluir, resistir, permanecer ou partir. A característica da pele é sentir junto da gente. Somos feitos de muitas cores, indivíduos diversos. O que nos conecta é a força de nossa humanidade. Quanto mais humanos somos, mais conectados estamos. As emoções que sentimos também compõem os fios que nos aproximam. Essa relação de tecer emoções reflete nossas vivências e culturas.

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Para muitos povos nativos, o tecido é uma tradição passada de geração em geração. Os povos andinos têm o aguayo como uma referência estética e cultural do povo. São utilizadas pelos povos pré-colombianos e comunidades Aymaras e Quéchuas. O aguayo resgata uma antiga tradição, pois é uma peça única 100% artesanal, desde o corte e fiação da lã, passando pelo trabalho exclusivo das mulheres no tear manual. Outro exemplo, são povos indianos, que reconhecem o tecido como um viés espiritual, que traz a tradição poética de enxergar possibilidades transformadoras. Na cultura das famílias indianas, alguns tecidos são cuidados e guardados por mais de 300 anos. E sua manutenção é feita por artesãos de uma mesma linhagem. Como se descarta uma roupa pensada como parte de uma história de vida?

Esse é um dos pontos pelo qual precisamos pensar a sustentabilidade milenar dos povos originários e suas diversidades culturais. Por outro lado, historicamente o tecido mais antigo do mundo que se tem notícia é o linho. Não era feito em tear, mas através de uma técnica bastante rústica, que consistia na prensagem das fibras. Arqueólogos encontraram múmias egípcias de 2500 a.C. enroladas em linho, tão bem tramados como os encontrados atualmente.

É puramente ancestral manifestar nosso corpo político e suas práticas antes de nossas roupas. Fazer a mão, com a essência de construir para si e o outro é ancestral. Nós que desaprendemos. O que vestimos hoje é reflexo de nossa memória. Nem sempre por escolha, porque somos atravessados por vias capitalistas. Mas ainda assim, acredito no vestir expressando o sentir; algo que conecta além da estética. Se a gente refizer o caminho das nossas expressões genuínas, entendemos que a moda é parte e não o centro dessa discussão.

Penso muito sobre o fazer moda de forma afetiva. Na perspectiva da criação, isso me ajuda a compreender que a nossa força não mora nos desafetos sociais, mas na condução das manualidades do sentir. A arte e a roupa podem atuar em muitas esferas sociais e políticas. Usamos expressões gráficas em dias de silêncios internos. E numa era de tantas dores, transbordar coisas boas importa. Mesmo que a gente não use palavras, há dias que a gente precisa se vestir e existir de forma lúdica. Talvez isso alivie o fardo que é habitar nossa pele no mundo. Que não seja um apelo para nos escondermos da nossa realidade todos os dias, mas uma ferramenta para a leveza que precisamos nutrir em direção a cura; terapia individual e coletiva.

Nesta segunda-feira (28/03), em uma atividade acadêmica aqui na Universidade Federal da Bahia, criamos o manto das emoções. Fruto de uma atividade coletiva feita de forma colaborativa em uma aula que fui convidada. Pude sentir e entender o quanto nossas afetividades contribuem na criação. Uma roupa feita de sentimentos, memória e poesia pode mudar o nosso estado de espírito. Trazer alegria nos dias tristes, manifestar força nos dias frágeis, encorajar, empoderar. Uma roupa lembrete. Para gente passear por aí como quem sonha. Criar essa atividade têxtil com os alunos do teatro, me revigora. No figurino, cabe tudo isso. Equilíbrio também é força. A dor e a delícia do vestir vivendo.

Dayana Molina (@molina.ela) é escritora, pesquisadora e criativa. Já colaborou com grandes veículos de moda nacional e internacional. Sua atuação importante na área de moda, tem um legado na luta indígena e no ativismo pela representatividade. Seu trabalho tem fortes referências ancestrais, descolonizando o mercado criativo de moda, inspirando mudanças emergente e fortalecendo a luta dos povos indígenas. Sua herança ancestral é uma mistura entre o Andes e o sertão de Pernambuco; Mulher indígena ascendente dos povos aymara e fulni-ô, Day resgata a memória afetiva e se orgulha de sua identidade. Atua na moda há 14 anos. Trabalhou como stylist, figurinista e produtora. Atualmente é diretora criativa de sua marca, a NALIMO.