“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Ghesquière usa roupas de seu acervo pessoal – Foto: Collier Schorr

Por Rachel Tashjian, com fotos de Collier Schorr, styling de Stella Greenspan, cabelo Tamas Tuzes com produtos Bumble and Bumble, maquiagem Frankie Boyd com produtos Fresh Skincare, manicure Mamie Onishi com Chanel Le Vernis, produção de Eric Jacobson (Hen’s Tooth Productions) e set design Danielle Selig. Para Ghesquière, cabelo por Shane Thomas e maquiagem por Emily Cheng

Nicolas Ghesquière foi atraído pela Califórnia. Nos últimos anos, o diretor artístico da linha feminina da Louis Vuitton vem dividindo seu tempo entre Los Angeles e Paris. Na primavera passada, ele criou raízes na Costa Oeste dos Estados Unidos quando comprou a Wolff Residence, um triunfo modernista do início dos anos 1960 situado acima da Sunset Strip, que John Lautner projetou em homenagem a Frank Lloyd Wright. Ghesquière chama a nova casa de “tão longe de Paris, mas ao mesmo tempo tão perto do meu coração”.

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Essa nova segunda casa (espiritual e materialmente) o fez se sentir mais positivo – e até mais gentil. “Definitivamente tem sido uma influência positiva para eu ficar mais relaxado”, ele conta. Ghesquière é baixinho e quase rijo, e seu uniforme todo preto ainda está intacto, mas agora seu rosto esculpido está enfeitado por óculos de aviador zaddy. Ele usa seu cabelo castanho espesso um pouco mais comprido; sua pele está reluzente. É nessa fase californiana que Ghesquière realizou alguns de seus trabalhos mais inspirados na Vuitton, com seu deslumbrante desfile de ficção científica no Salk Institute em San Diego, em maio, e sua coleção outono 2022, uma colagem dos clichês quentes da adolescência, servindo como uma espécie de pronunciamento sobre esse novo sentido daquilo que ele chama de “chill”.

Ghesquière foi o primeiro genuíno designer estrela deste século. No final dos anos 1990, ainda um desconhecido, ele começou a deixar sua marca na Balenciaga, definindo o estilo casual-bem-vestido das mulheres urbanas com chamativas jaquetas e tops combinados com calças casuais e criando a primeira it bag da casa, a Motorcycle. A partir daí, em 2013, desembarcou na joia da coroa da LVMH, confeccionando com insistência roupas ousadas e densamente criativas em um momento da moda em que muitos diretores criativos costumam ser vistos mais como marqueteiros do que designers.

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Embora Ghesquière tenha começado sua carreira como um menino rei, sua compostura e sua posição como líder de uma das marcas de luxo mais lucrativas da moda, agora fazem dele uma espécie de eminência parda. De fato, há algo maravilhosamente antigo na maneira como ele bajula as formas de arte para além dos limites da moda e exala graciosidade.

A implacável positividade de Ghesquière é estimulante em um setor que muitas vezes se inclina para o cínico, e pode até parecer beirar a ilusão. Jovens descobrindo seus antigos designs de Balenciaga e desembolsando quantias absurdas por eles, às vezes à custa de descobrir a moda contemporânea? “É ótimo! Muito bom!” Fazer o tipo de espetáculo enorme que uma vez o assustou em sua juventude? “Incrível!” A certa altura, conta, sobre trabalhar na Vuitton: “Bem, tudo é emocionante!”. Você se pergunta: o que aconteceu com esse belo francês? Até você perceber que, bem, dãã, o homem mudou para Los Angeles!

Califórnia e a fluidez da Vuitton

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Ele adora a cidade como um novo amor: “Existe um espírito”, diz. “Existe um estado de espírito. Não é só uma lenda; existe ali um chill, provavelmente ainda mais para mim como estrangeiro”. (Ghesquière pronuncia a palavra com sotaque francês; afinal, ele ainda é francês, menos nas palavras que agora diz do que como as diz). Em uma cidade como Paris, “as pessoas talvez coloquem menos civilidade em suas trocas”. Mas em L.A., as pessoas “param para perguntar como você está”, diz. “Eu realmente adoro isso. Para mim, é tão bom possuir um mínimo de gentileza e atenção”. (Ele também está apaixonado por uma pessoa – seu parceiro nascido nos Estados Unidos, Drew Kuhse, que, segundo amigos, quase sempre viaja com ele).

Ghesquière ainda ama Paris, é claro, mas na Califórnia, “eu me sinto muito protegido”, continua. “Eu me sinto ligado à cultura e, às vezes desligado do trabalho, o que é bom para mim”. E, claro, existe arquitetura: “Claramente, é muito rica, muito eclética”. Ele adora a justaposição de estilos, o que é apropriado, já que seu trabalho na Vuitton tem sido completamente pós-moderno, definido por uma fascinante mistura de períodos e história.

Ele faz rapsódias quase como um membro de uma seita: “Não existem tabus, não existe conformidade. Como se diz? As regras existem, é claro, mas é anticonformista de certa forma. É muito livre”.

Esse é o espírito que permeia a coleção de outono de Ghesquière, que inclui gravatas de skatistas e calças largas e casacos de cardigã do vovô, além de vestidos de chiffon e tule millefeuille poeticamente macios; é sobre a liberdade de misturar ideias, a liberdade de se mover e, acima de tudo, a liberdade absoluta que você sente quando é jovem e bonito e o sol brilha todos os dias. Ghesquière vem aperfeiçoando “um vocabulário que não se tornou feminino, nem masculino – trata-se apenas de quebrar limites”, diz ele entre sopros elegantes de um cigarro eletrônico muito fino e muito dourado.

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Marie-Amélie Sauvé, sua estilista e colaboradora de longa data, descreve a mulher para quem ele faz o design como “uma heroína ou deusa”, uma guerreira forte, mas também vulnerável, principalmente às forças maiores além de seu controle: “Como ser humano, você tem ambos, e você expressa os dois lados”, diz, acrescentando que “afinal, todos somos, é claro, vulneráveis à natureza”.

Havia uma mistura de coisas no final da coleção conforme ela foi mostrada na passarela: duras camisas de rugby e o tipo de suéter enorme que você deseja na praia depois do pôr do sol, estampado com fotografias de David Sims e pendurado ou enrolado na cintura de vestidos doces e ondulantes que eram “quase como um romantismo impressionista”, diz Ghesquière. Elas foram mescladas com “essa fantasia que temos” de caras jogando rugby, da maneira como o corpo se movimenta em uma competição casual. “Houve uma mistura muito livre dessa maneira”, continua. Ali, foi personificado o seu novo idealismo doce e ensolarado. “Havia uma sensação real da Califórnia naquela coleção”, conta a atriz Chloë Grace Moretz, que trabalha com Ghesquière desde 2018. “Houve momentos despreocupados e momentos realmente masculinos, e outros muito suaves. E todos nós sentamos ali na primeira fila e ficamos deslumbrados”

A visão de Ghesquière sobre a moda

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Ghesquière está no ponto alto de sua carreira. Sauvé diz que a pandemia e os efeitos alarmantes das mudanças climáticas significam que ele está se esforçando ainda mais do que nunca. “Ele já é alguém com uma visão muito forte e precisa, mas com tudo o que aconteceu, sua visão ficou ainda mais urgente”, explica. Ele também aproveitou o tempo para buscar outros projetos, como criar os figurinos de Alicia Vikander para a meta-adaptação televisiva de “Irma Vap” de Olivier Assayas, que Assayas baseou em seu filme de 1996 e estreou neste verão na HBO. Ghesquière achou o trabalho com Assayas tão estimulante que ajudou a inspirar toda a sua coleção primavera 2022, uma bola escura de viagem no tempo à qual ele queria dar vida há cinco anos.

O que torna o trabalho de Ghesquière sempre fascinante é que enquanto ele está obcecado com o futuro – especialmente com ciência e ficção científica – ele acha que a novidade na moda é impossível, até mesmo inútil. Ao contrário de outros designers que constantemente buscam novidades em vão, ele persegue emoções e não uma nova ideia. “As roupas em si podem ser novas, tanto quanto eu posso tentar fazer isso”, diz, “mas também são uma colagem”. Quando ele está desenhando, ou “construindo”, como ele se refere ao processo de criação de uma peça, ele realmente está pensando em como todos os elementos da roupa podem se combinar na passarela, “que, com sorte, podem causar uma nova sensação”.

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Uma das roupas mais malucas do desfile de outono de 2022 foi um colete abotoado com longos painéis de tecido que caíam em um colapso oscilante nos quadris, criando algo entre um colete com painéis, uma regata e o conceito de alforjes do século 18 de uma garota do Valley. “Não se trata de tentar criar o novo por ser novo”, diz. “Trata-se de tentar encontrar um novo sentimento com uma forma já existente”. Ele estava procurando por algo que “pudesse envolvê-lo – que o fizesse se sentir bem, aquecido, confortável”. O que Ghesquière faz, diz ele, é “criar um sentimento que se torna uma forma”. Por mais simples que seja, a sensação, as formas, os tecidos e a estrutura são muitas vezes incrivelmente complexos. “É muito difícil fazer algo novo hoje”, pondera. “Mas com certeza, eu acredito [na criação] de novas emoções. Mesmo que algumas coisas existissem antes, não é [sobre] como torná-las novas e vibrantes, é [como] criar novas emoções com essas coisas”.

Ele acha que a novidade ainda é importante na moda? “Não, não”, diz rapidamente. “E foi realmente alguma vez?” É “uma grande declaração”, continua, “dizer que algo é novo, mas raramente é, e é sempre o ponto de vista de quem o faz que o torna novo ou o torna diferente”. Talvez seja “uma evolução”, ele concede. “Todos nós temos referências. Tudo vem de alguma coisa. É muito difícil neste mundo, mesmo que este mundo esteja em uma transformação muito interessante, realmente declarar que isso é algo completamente novo. E acho assustador, de certa forma, declarar que é novo. Acho melhor dizer que é uma evolução. Estamos crescendo com isso. Não somos os donos delas, mas transmitimos e transformamos algumas coisas.”

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Principalmente, em vez de tentar pensar em algo “novo”, Ghesquière pensa no processo que torna algo luxuoso. A Louis Vuitton é uma empresa de artigos de couro por herança, mas também, desde que ingressou há quase uma década, ele pensa que “existe muito mais educação” a respeito do luxo. “As pessoas querem saber como as coisas são feitas”, diz, e sobre “a qualidade e também a transparência dos recursos e como as coisas são feitas de forma ética, mas também na qualidade que você coloca em fazer essas coisas”.

Em um mundo onde a velocidade é fácil e esperada, tempo e luxo se tornaram sinônimos. “É realmente a combinação de uma bela maneira de fazer as coisas – design com qualidade – e, na maioria das vezes, ter tempo para alcançar as coisas [que quero fazer], que geralmente é o maior problema da moda”, diz Ghesquière. Entre bolsas, sapatos e roupas, “as roupas são sempre as mais difíceis de conseguir em pouco tempo. Você sempre pode adiar uma bolsa se achar que não está pronta. Você pode dizer: ‘Eu não vou fazer isso nesta temporada. Vou dar a ela mais seis meses, três, talvez mais um ano até decidirmos que está pronto’”. Sapatos também. Mas com roupas, você tem que dizer algo sobre aquele momento específico, bem naquele momento. “É uma intuição. Às vezes é instinto. É um desejo muito imediato. Você quer expressar isso imediatamente, certo? Então, você tem que conseguir isso com grande qualidade em um período muito curto de tempo”.

As musas de Ghesquière

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Na Vuitton, Ghesquière passa muito tempo pensando em maneiras tecnicamente sofisticadas de fazer coisas bonitas. Para o outono, sua grande conquista foi imprimir, em tecidos como cetim, aquelas fotos do Sims de adolescentes em êxtase, tiradas de edições antigas de revistas alternativas como “The Face”. Vistas de perto, a qualidade das imagens nesses tecidos é inimaginavelmente requintada. “Para mim, o que foi uma das inovações mais incríveis ao desenvolver essa coleção foi alcançar essa precisão”. Ghesquière vê esse tipo de invenção, mesclando tecnologia e tradição, como sua missão: “É trazer novos elementos ao vocabulário do luxo”.

Desde o início de sua carreira, Ghesquière formou laços profundos com aqueles que assumem o papel de embaixador da marca. Jennifer Connelly trabalha com ele desde os tempos de Balenciaga e ainda vai a todos os desfiles da Vuitton; Charlotte Gainsbourg continua a ser uma amiga próxima. De certa forma, ele trabalha tão bem com Hollywood porque parece ver as realidades comerciais de seu trabalho como oportunidades criativas.

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

Tão intrigantes quanto suas amizades de longa data são as mais recentes. Enquanto grande parte do setor de moda cercou as estrelas das redes sociais como predadores apreensivos, sem saber se devem comer ou ser comidos, Ghesquière aproveitou as oportunidades para vestir a youtuber Emma Chamberlain e a influenciadora do TikTok Charli D’Amelio. O que Ghesquière procura é alguém que o faça pensar: “Você traz minha moda para outro lugar”, diz. “Isso significa que você tem um interesse, uma curiosidade de usar aquelas roupas… Mais exatamente, ou você traz algo para as roupas, ou as roupas trazem algo para você”.

Chamberlain me fala da “habilidade de Ghesquière de combinar opostos de uma maneira que cria algo completamente novo” e também destaca sua capacidade de fundir “silhuetas tradicionalmente masculinas” com um sentimento de feminilidade. Moretz, que percorreu um caminho mais tradicional para a celebridade mas é, como Chamberlain, uma Zoomer, também fala dessa sensibilidade livre: “Me permitiu ser muito f luida”, diz ela, enquanto constrói sua carreira e persegue diferentes tipos de papéis. “Existem looks que são hiperfemininos, looks que são muito masculinos, e isso me permite mudar e evoluir entre eles”.

“O que é realmente emocionante não está sob o seu controle”, afirma Nicolas Ghesquière

Foto: Collier Schorr

O que as estrelas parecem gostar nas roupas de Ghesquière são sua capacidade de envolvê-las totalmente na alta moda, mas ainda permitir que exerçam controle. Os ombros podem ser fortes, as formas podem ser volumosas, mas o indivíduo nunca fica atrás dos caprichos artísticos de Ghesquière; em vez disso, o peso e o poder de seu trabalho são transferidos sem esforço para a pessoa que o usa. “A primeira vez que usei as roupas dele, me senti muito bem-vinda”, explica a atriz Cynthia Erivo, que usou um Louis Vuitton no tapete vermelho quase exclusivamente este ano. “Ele tem uma paixão não apenas pela arte da moda e pela arte de contar histórias, mas também pela arte de cuidar das pessoas”.

Pergunto a Ghesquière se ele acha que a passarela se tornou importante demais – esse templo de conteúdo, incansavelmente ordenhado até a próxima temporada, em vez de uma espécie de playground onde as ideias de como as mulheres podem se vestir podem começar. Se o início dos anos 2000 era sobre uma mistura de marcas, os designers agora esperam que celebridades e clientes reproduzam sua visão de passarela com precisão. “O que é realmente emocionante [é o que] não está sob seu controle”, Ghesquière insiste. “Provavelmente há alguns anos, eu não teria pensado o mesmo. Eu teria ficado obcecado com o controle”. “A grande surpresa, a maneira inesperada de usar as coisas ou quem está usando”, diz ele, “é ainda mais inspiradora do que há uma década”. O que ele vê agora, principalmente com os consumidores mais jovens, é “muito mais uma expressão individual na maneira de se vestir, de forma simples e livre”. Ele não quer mais fornecer diktats como designer: “Acho que é muito mais importante criar um espírito de liberdade, mais do que qualquer outra coisa”.