Stéphane Rolland – Foto: Divulgação

“Descafeinado, por favor. Com açúcar.” Foi esse o pedido de Stéphane Rolland logo que entrou no ateliê de Cris Porto, em São Paulo, antes de se acomodar em um dos sofás de veludo. Ironicamente, ele estava eufórico. Não apenas por estar entre amigos (seu sócio, Pierre Martinez, e a joalheira brasileira), mas por voltar ao Brasil – lugar pelo qual se diz apaixonado. Era a primeira vez do estilista em São Paulo e, em algumas horas, ele pularia em um avião rumo a Fortaleza, para um “descanso e bronzeado mais que necessários” antes de retornar para o inverno da capital francesa. Em Paris, ele cuidaria dos últimos detalhes de seu desfile de alta-costura, que terminou por agitar a Salle Pleyel com visuais inspirados no Oriente Médio e uma apresentação inédita criada por estudantes de moda da nova geração. Para a nossa conversa a seguir, ele contou detalhes do espetáculo e dividiu opiniões sobre a cena da moda e do luxo internacional. Antes, porém, aproveitou alguns segundos para absorver a Bossa Nova, que tocava ao fundo, e tomar mais um gole da bebida quente.

Stéphane Rolland e Pierre Martinez – Foto: Divulgação

SR: O café brasileiro tem um perfume especial, não acha? GDB: mais que o francês? SR: Com certeza. Só perde para o italiano, talvez… (risos!) GDB: Quando chegou a essa conclusão? SR: Quando visitei o Rio de Janeiro pela primeira vez, há dez anos. Desde então, o meu amor pelo país só cresce. GDB: E o seu amor pela moda? também tem crescido? SR: Sim, mas a moda tem mudado. Hoje, muito é sobre dinheiro, claro, e a alta-costura, por exemplo, cresce, cresce, cresce! Mas o maior problema é a educação. Entender o que é o luxo real e o luxo falso é o mais difícil. As pessoas não sabem o que é o luxo. Algumas marcas nem sequer fazem alta-costura, mas dizem que fazem… E é óbvio que não estão fazendo luxo! GDB: Pode dar um exemplo? SR: Não (risos!). Os meus lábios estão fechados. GDB: E os seus, pierre? (risos!) PM: Posso dizer que, há vinte anos, parece que a moda está mais preocupada em se tornar uma droga viciante, um desejo, do que um luxo. As pessoas se sentem obrigadas a comprar. Na alta-costura, pelo menos, há mais controle sobre isso. GDB: Como? PM: A dimensão é outra. A couture se encaixa na personalidade de cada mulher, é individual, vous comprenez? Na alta-costura, há uma ligação única entre cliente e designer, uma espécie de ponte etérea, extremamente íntima. Esse tipo de trabalho artesanal existe para transformar a mulher na melhor versão dela mesma, aquela que ela sempre sonhou ser. Essa é o papel do couturier: guiar.

SR: Quando uma cliente vem ao ateliê, tenho apenas 15 minutos para entender quem ela é, a essência da sua personalidade. Na próxima uma hora e meia, quando começamos a pensar no vestido, o meu trabalho é decupar tudo o que descobri. Sinto-me quase um terapeuta (risos). GDB: Essa “relação única” da qual vocês falam… é o significado de luxo? SR: É luxuoso, mas não é o luxo. O luxo é o savoir-faire, a raridade, a exclusividade… PM: E a qualidade, voilà! Tudo é um laboratório. SR: Não há limite na alta-costura. É sobre sonhar sem amarras. O dinheiro é uma consequência do nosso objetivo real: criar beleza.

GDB: E como foi o “sonho” para criar a nova coleção? SR: Sabe… Preciso dizer que, nesses últimos 15 anos, o que mais mudou foi a chegada de Pierre à minha vida. É impossível fazer tudo sozinho, muito menos assumir riscos e realizar sonhos. No caso desta temporada, decidimos nos unir a duas escolas de moda francesas [ESMOD e IFM] para dar a 20 estudantes a oportunidade de apresentarem suas próprias criações ao lado das nossas.
PM: Foi um projeto ambicioso, que durou meses. Trabalhamos com os alunos para que eles tivessem como guia a inspiração de Stéphane para essa coleção [o deserto e os cenários áridos do Oriente Médio], mas que pudessem emprestar seus próprios olhares nos primeiros dez minutos do show, antes das peças do Stéphane entrarem na passarela. É algo realmente inédito na alta-costura. GDB: uma espécie de diálogo entre um designer estabelecido e a nova geração? PM: Exatamente. Não é uma competição. GDB: e se uma cliente quiser comprar um dos vestidos dos estudantes? SR: Será ótimo! É a nossa esperança. Para nós, é uma forma de trazer luz para esses novos criadores, que representam parte do futuro da moda. O nosso mundo está mudando cada vez mais. Por isso, é preciso ter visões inovadoras, diferentes daquilo que já existiu. É assim que a moda e especialmente, a alta-costura vão sobreviver.