
Lars Svendsen sustenta que é necessário compreender a moda para chegar a um entendimento adequado do mundo contemporâneo. Me peguei pensando nessa defesa do autor e filósofo norueguês, que está na lista dos pensadores modernos, depois de conversar com o carioca Victor da Justa. Intenso e engajado, ele está lançando a grife homônima que têm no viés político um de seus pilares. “Não quero ser mais uma marca bonita””, diz ele, determinado a levar para as roupas temas como inclusão e androginia.
É esse exercício que impulsiona, de cara, sua primeira coleção, “Mãos Dadas Mudam o Mundo”, nome que dá a deixa sobre sua visão do País: “Vivemos um período de incerteza e aqui, no Rio, as pessoas estão mais contidas”, analisa o jovem estilista de 27 anos.

Desconstrução da alfaiataria é sua praia. “Adoro brincar com a modelagem para criar roupas que permitem ser usadas de cinco maneiras diferentes”, conta. Foi assim que surgiu a coleção, que é sem gênero e pensada para abraçar corpos diferentes. O cadarço é fio condutor, que Victor chama de acessório de união, porque permite ajustes, além do efeito estético de franzidos. “Aparece na cintura, no cós e na lateral das peças e pode ser ajustado”, explica.

Há, ainda, a possibilidade de trocar os cadarços por outros de cores diferentes. “Acho legal a pessoa poder mexer, customizar a partir do seu gosto.” Mais do que um detalhe pontual, o estilista prevê que o cadarço deve permanecer nas próximas coleções como assinatura da marca, que já pode ser encontrada nas multimarcas Dona Coisa, no Rio de Janeiro, e Pinga, em São Paulo.

Com cartela cromática enxuta, restrita a branco, preto, bege, telha e azul-Klein trabalhados quase sempre como yin-yang, a coleção tem na estampa localizada de mãos outro ponto forte, porque dialoga diretamente com a temática. Ao todo, são 16 peças com variantes cromáticas que traduzem, ainda, o fascínio de Victor por numerologia – ele considera o 7 seu número da sorte. Ele aparece, inclusive, na formatação dos preços. “O misticismo me encanta, sou espírita. Gosto de buscar respostas no universo.”

As próprias mãos dispostas estrategicamente nas peças podem ser lidas como processos de cura em um mundo que está doente, além da menção direta à união e mãos dadas. Além da política e da espiritualidade, a busca por inspiração e criatividade passa, ainda, pela cultura. A música de nomes como Florence and the Machine e Niki & The Dove, a programação do Parque Lage e galerias de arte estão sempre no seu radar. “Em Paris, visitar museus era meu programa favorito”, diz ele, recordando o período em que morou na capital francesa para cursar Moda na Esmod, a tradicional escola fundada em 1841.

Foi nessa época que estagiou com Rick Owens, experiência que ele define como arrebatadora. Seu contato com a moda, entretanto, começou ainda no Brasil. Antes de viajar, já havia cursado Design de Moda na PUC carioca e estagiado na Animale. Três anos atrás, de volta ao País, trabalhou com Reinaldo Lourenço, em São Paulo, e com Isabela Capeto, no Rio, de onde saiu, recentemente, para voo solo.

Vez por outra, Victor ainda se anima a posar de modelo, principalmente para fotos e vídeos de seus projetos pessoais. Para encarar as imagens que você vê nesta matéria, ele trocou o cabelo comprido pela cabeça raspada. Metaforicamente, ritual para uma nova fase.