Bordado e fotografia: Jota Testi dá visibilidade a pessoas que não tiveram a chance

Jota Testi durante a performance “Angústia” (2022). Ao fundo, “Pequenas Mortes”: políptico de 100 desenhos em caligrafia com nanquim sobre papel (2019) e instalação com cabelos (2022), ambas da artista Sofia Saleme – Foto: cedida pela artista e pela Galeria Samba Arte Contemporânea, do Rio de Janeiro, que a representa

Por Adriana Lerner

Jota Testi tem um pensamento constante sobre o que é ser homem e o que é ser mulher. Aos 23 anos, a artista visual brasileira, baiana de Barreiras (distante 865 km da capital Salvador), utiliza fotografia, ilustração, pintura, bordado, vídeo e performance como plataformas de linguagem. Em 2016, iniciou o curso de Arquitetura no Instituto Federal da Bahia e em 2018 se mudou para Taguatinga (DF), onde vive e estuda Artes Visuais, Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (UnB). “Me coloco como artesã da resistência, de uma produção que difere em tempo, cultura e técnicas de qualquer meio criativo”, conta à Bazaar a artista trans que se identifica como não-binária.

SIGA A BAZAAR NO INSTAGRAM

Além da pintura e sobreposição de tecido, utiliza a arte popular contemporânea, mais especificamente o bordado livre, como forma de expressão estética e afetiva, que a leva às lembranças de sua mãe e sua avó, costureiras e bordadeiras, suas grandes referências, e seu pai, mecânico de barco, além do avô e tios pescadores. “Na produção com o bordado, me envolvo em cruzar o tecido para fazer dele um lugar do meu íntimo, das minhas narrativas, trajetórias e amores. Bordar é experimentar o que a linha e o tecido podem proporcionar, criando novos pontos, formas, discursos, significados e problemáticas”, explica.

Bordado e fotografia: Jota Testi dá visibilidade a pessoas que não tiveram a chance

Jota posa com a obra “Machofêmea” (2022) – Foto: cedida pela artista e pela Galeria Samba Arte Contemporânea, do Rio de Janeiro, que a representa

Suas produções políticas questionam gênero e território, cruzando cores e símbolos aliadas à técnica e diferentes inspirações. “Minhas agulhas ultrapassam os tecidos dos bordados, assim como a agulha passa pelo corpo, simbolizando as dores de minhas escolhas”. Como se o tecido fosse a pele, ultrapassasse a borda e sangrasse. Na obra “Machofêmea”, exemplifica o pensamento de não-binariedade: “Quando o peixe está dentro d’água, ele é apenas um peixe. Assim que retirado, ele é morto ou apenas visto, mas rotulado como macho/fêmea e espécie”. E faz um paralelo entre o feto e o ser humano: “este último tem uma estrutura criada no momento que nasce (com laço de fitas, brinco, cor da roupa)”.

Bordado e fotografia: Jota Testi dá visibilidade a pessoas que não tiveram a chance

“Monalise” (2021) – Foto: cedida pela artista e pela Galeria Samba Arte Contemporânea, do Rio de Janeiro, que a representa

Na fotografia, Jota tem um olhar “histórico alternativo”, que engloba tudo fora do digital – estuda revelação, filme, Van Dyke, cianotipia etc. Uma parte dos seus trabalhos tem como pesquisa o corpo com suas marcas e histórias a partir de vivências, respeitando a individualidade de cada um e tentando salientar a humanização dessas figuras. “Pensando como seres reais, com marcas reais e corpos políticos, expondo em sua arte seu corpo neutro, político, e onde ele se coloca, ou não, dentro da sociedade”. Com essa análise, é possível compreender suas raízes, clichês, costumes, comportamentos e preconceitos. “Quem sou hoje e quem eu posso me tornar amanhã”, cita.

Bordado e fotografia: Jota Testi dá visibilidade a pessoas que não tiveram a chance

Detalhe da performance “Angústia” (2022) – Foto: cedida pela artista e pela Galeria Samba Arte Contemporânea, do Rio de Janeiro, que a representa

“Aos 20 anos, achava que tinha controle absoluto sobre a vida. Com a pandemia, veio o medo da morte, o que gerou a performance ‘Angústias’ (2022)”, descreve Jota sobre a exibição ocorrida na Fonte, de São Paulo. A artista circulava no espaço sem pedir licença, esbarrando na audiência, como um corpo em transe. Chorou e fez os presentes chorarem com todos os pensamentos de incertezas e exaltação.

Ela está se preparando para sua primeira exposição individual presencial (já que em 2020 fez uma exposição virtual), que acontecerá em Goiânia, inspirada no livro “O Casaco de Marx – Roupas, Memória, Dor”, de Peter Stallybrass. Nele, o autor descreve que as roupas se moldam ao nosso corpo, mancham, se rasgam com as nossas quedas, e tomam a forma de nossa história. Na morte, as roupas ficam com marcas e cheiros. Para esta exposição, vai utilizar vestidos usados como mídia para seu trabalho e, por meio de bordados e fotos de corpos costurados nos vestidos, vai transformar sua inspiração em arte.

Tudo vira arte

Bordado e fotografia: Jota Testi dá visibilidade a pessoas que não tiveram a chance

A artista em seu ateliê – Foto: cedida pela artista e pela Galeria Samba Arte Contemporânea, do Rio de Janeiro, que a representa

Jota vem de uma leva bastante produtiva, entre lugares e residências que visita. Entre os exemplos, a série produzida no interior de Goiás, “Cortejo” (2022), em que retirou palhas do entorno e as bordou com símbolos do povoado local na cidade de Olhos D’água, onde as “histórias são mais íntimas, misteriosas e místicas”, como gosta de contar. “Vestígios D’água” (2021) se baseia em memórias fotográficas de uma família ribeirinha do oeste baiano. O rio, o peixe e o barco são elementos que se voltam para o afeto, representam o lar, o alimento e os altos e baixos desses entes interioranos. Já, em “Corte” (2021), sua pesquisa foi baseada em identidades sem gênero, discutindo corpos, suas dores, histórias e memórias.