Nátaly Neri sempre esteve conectada à moda. Mas não em seus contextos fútil e efêmero – ela transformou o gosto pela cena fashion em pauta para produzir conteúdos conscientes e antecipar tendências. “Consumo roupas usadas desde criança, fossem elas doadas ou compradas em bazares de igreja. De certa forma, a proximidade com as peças de segunda mão e o meu desejo em criar itens aleatórios, seguindo o que via na televisão ou nas revistas, acabou por me fazer buscar cursos de costura e a trabalhar com customizações e adaptações”, diz.
Em 2015, ela estreou o próprio canal no YouTube disposta a revelar os segredos do mundo dos brechós. “Sabia que tinha algo a contribuir quando notava as pessoas surpresas ao descobrirem que os meus looks custavam entre dois e dez reais. O conteúdo inicial girava em torno de dicas para adaptar os artigos arrematados e os endereços dos melhores lugares para garimpar roupas. Depois, passei a me aprofundar nas reflexões sobre slow fashion e o upcycling.”
Ao longo do tempo, Nátaly, que é formada em Ciências Sociais e ativista desde sempre, incrementou o roteiro com falas sobre empoderamento feminino, estética negra, impacto positivo, preservação ambiental e vivências pessoais.
A audiência do Afro e Afins logo ultrapassou 800 mil inscritos e 35 milhões de visualizações. O reflexo da exposição bem-sucedida rendeu collab com a grife Insecta Shoes, posto de embaixadora do Creators for Change, no YouTube, e de jurada de reality show, e nome certo para qualquer bate-papo que tenha como cenário a moda, o reaproveitamento e a sustentabilidade. “Tenho atuado também em projetos especiais que em breve serão apresentados gratuitamente nas minhas redes sociais. Além disso, assumo em breve o papel de host, com Gabie Fernandez, no videocast Diacast. Estou empolgada com a empreitada, pois o que me move são as trocas significativas com tipos diversos de pessoas e de pontos de vista.”
Engana-se quem acredita que a agenda lotada a faz pausar os outros planos. “Sigo idealizando matérias sobre beleza vegana, moda de brechó, autoconhecimento, cosméticos naturais, óleos essenciais, dreadlocks e tudo o que amo compartilhar diariamente com a minha comunidade!”, avisa.
Se no passado a roupa usada era uma necessidade, hoje Nálaty mantém o gosto por endossar o discurso responsável e de deselitização da construção da identidade da moda. “Curto a imprevisibilidade dos achados, as histórias que carregam os antigos bordados, a experiência de cuidar da peça depois de comprada e de buscar stylings modernos para repaginar aqueles artefatos. Agora encontro prazer na experiência, que durante a minha juventude foi motivo de vergonha por conta dos estigmas sociais.”
Fã declarada de Vivienne Westwood, estilista britânica considerada a inventora do punk, falecida recentemente, e do mood “boêmio caótico” da cantora Florence Welch, a influencer aposta as fichas no revival dos anos 2000 e em marcas autorais, caso da FID (@fidcustom) e do Studio Ellias Kaleb (@studioelliaskaleb). “Essas labels têm presença, criatividade e são interessantes demais para os olhos. Digo que é arte em forma de tecido!”, exalta – e acrescenta: “Mas é bom prestar atenção no rework da Ventana (@ventana___) e da Rachels (@userachels), que tem qualidade e cuidado ambiental”.
Nátaly tem política correndo pelas veias e entende que a moda faz parte desse processo. “Compreendo ser de suma importância a união dessas duas esferas. É a política na moda que aumenta o tamanho das saias, que julga a ‘decência’ dos decotes, que patrulha os tons de rosa ou de lilás nas seções masculinas (…). A moda é diretamente uma representação dos momentos políticos de uma sociedade e, tendo ciência disso, ela passa, não só a ser um espelho, mas a se tornar ativamente um objeto de contestação e de mudança, como faz Isaac Silva (@isaacsilvabrand) há anos nas passarelas do SPFW, lembrando que a nossa cultura é negra, é LGBTQIAP+, e que as nossas referências são africanas e indígenas.”
Enfim, como ela mesma destaca, se a moda se desdobra em narrativas, temos a chance de fazê-la falar e agir pelas esperanças e pelos desejos de grupos criativos e invisibilizados no Brasil.