Para quem não viveu os anos 1980, o Verão da Lata remete a uma viagem. Era setembro de 1987, transição ainda cheia de insegurança entre a ditadura e a democracia, quando 15 mil latas parecidas com as de leite em pó apareceram boiando nas praias de São Paulo ao Rio Grande do Sul. Dentro, havia a melhor erva que já havia passado pelo País.
Ninguém sabia a origem, mas pescar uma lata virou o maior barato da temporada. Só um tempo depois é que veio à tona o caso do navio Solana Star, que teve de se livrar de 22 toneladas de maconha para escapar do flagrante. O episódio, que mais parece papo de quem fumou demais, já virou livro e, agora, estampa a nova coleção da Perigo, batizada, claro, de #dalata.
Os dois prints principais criados pela designer Lucia Korany, de folha de maconha e cogumelo, são, por si só, irônicos, de tão fofos e divertidos. Eles decoram as peças sempre em linho, da cambraia ao mais encorpado, assinadas por Pedro Igor Alcântara e Leo Muqui, que chegam este mês às araras. Um certo deboche torna deliciosa a atmosfera da marca. Começando pela escolha do tecido. O olhar da dupla, street com reforço sportswear, confere a ele uma leveza original sem perder o “status de adulto”. É assim que o material deixa para trás modelagens formais para dar forma a tops, t-shirts e tracksuits. Os prints dão conta do restante.
Tem tudo a ver com a galera jovem do Rio de Janeiro, onde a marca foi criada no ano passado, sem nenhuma pretensão de virar um business de moda. Mas virou. “Mesmo pequena, já passava a imagem de algo maior”, conta o produtor cultural Pedro Igor, que ainda está se acostumando com a boa maré. “Ainda tenho um pouco de resistência, mas a repercussão está boa”, diz ele, que cuida do marketing e do branding – também é sócio de Malu Barretto na Agência Arara –, enquanto Leo comanda o estilo. “Mas a gente faz tudo muito junto. Eu crio o conceito, desenvolvo as imagens de referência. Ele pesquisa, experimenta as modelagens”, explica Pedro Igor, cujo apelido, Perigo, aglutinação de seu nome, agora virou marca.
Tudo começou com um jogging de linho que ele encomendou para o amigo. “Queria algo urbano e descontraído, sem ser ‘pé na areia’”, recorda. Da peça, veio a coleção #zero, que fez o projeto circular de boca em boca, e abriu espaço para a #altomar e #cerrado, com criações masculinas e femininas, sendo muitas delas com pegada sem gênero e despreocupadas em relação a tendências, que estão disponíveis na Dona Coisa, no Rio, e na Pinga, em São Paulo, além do Shop2gether. “São peças que a gente gostaria de ter no armário”, analisa Pedro Igor.
Com cerca de mil itens produzidos a cada coleção, a Perigo tem status de ateliê e faz parte de uma geração de marcas cariocas criadas por designers que faz moda centrada no lifestyle da cidade, que é diretamente impactado pela praia, mas não se limita a ela. O componente urbano é forte e há uma bossa que embala tudo.
“É um universo novo. Brinco que se trata de um grupo de resistência, que ainda consegue produzir aqui, porque está difícil. É muito bacana ver essa cena criativa, que emprega pessoas, acontecendo”, diz ele, que trocou São Paulo pelo Rio de Janeiro há oito anos, em busca da leveza que hoje a cidade teima em não perder. É nessa jornada que ele marca a paisagem, relembrando um dos episódios mais pitorescos dos verões cariocas.
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