O estilista Charles de Vilmorin (Foto: Divulgação)

C’est compliqué, la jeunesse”. Em um café da manhã no Château Voltaire, no coração de Paris, Charles de Vilmorin deixa escapar uma risada tímida enquanto pensa sobre o significado de juventude. “É um estado de espírito. Não vejo como uma questão de idade. Para mim, juventude invoca inocência, uma certa liberdade. É sobre a possibilidade de se descobrir e explorar o novo, sem medo de errar”.

Sentado, a postura é de introspecção, em uma versão despojada das silhuetas de Rodin, com uma camisa amarela, jeans e óculos. Enquanto fala, revela o sotaque snob e natural do berço aristocrático em que nasceu, a família De Vilmorin – “mas não do ramo das flores”, ele brinca, em referência ao império botânico Vilmorin-Andrieux cujos catálogos de flores e sementes inspiraram, há mais de um século, Christian Dior a aprender a desenhar.

Aos 26 anos, Charles é o petit prince de la mode de uma geração que nasceu atrasada demais para idolatrar o Yves Saint Laurent que, décadas atrás, ganhou o mesmo apelido. E se alcunha foi resgatada do passado para, em 2021, coroar De Vilmorin na ocasião de sua estreia na alta-costura, sua alçada para a direção criativa da maison Rochas foi ainda mais transformadora.

Como sucessor de Alessandro Dell’Acqua, CDV fez da casa, fundada em 1925 por Marcel Rochas, um ambiente de experimentação. Encontrou familiaridade por lá (sua tia-avó, a escritora Louise de Vilmorin, fazia parte do círculo social de Hélène Rochas, esposa do estilista), mas em abril, depois de dois anos, deixou oficialmente o cargo. Semanas mais tarde, no que antes havia evocado a queda de Ícaro quando voou perto demais do sol, anunciou seu primeiro desfile à frente da marca própria para a temporada de couture – um movimento inédito na carreira que, fora da Rochas, só apresentava através de look books.

“Foi um inferno. Encontrei muitos obstáculos”, conta, relembrando os três meses que teve para organizar o desfile que, poucas horas antes de acontecer, ainda não tinha sapatos e muitas das modelos estavam atrasadas. “Quando penso no dia anterior à apresentação, não consigo acreditar em como fiz tudo dar certo. Foi completamente diferente de como era chez Rochas. Eu não tinha um ateliê, só meu apartamento (em Batignolles, que divide com seu cãozinho, Terreur), então precisei improvisar. Mas a pressão foi extremamente estimulante. Quando o desfile finalmente acabou, só consegui sentir satisfação”.

Para os convidados, absolutamente alienados ao processo criativo frenético por trás de Champ de Bataille (nome da coleção), a experiência da estreia de Charles nas passarelas de sua própria maison teve outras conotações. O endereço discreto, no número 73 da rue de Richelieu, surgiu com a mesma allure brutalista que ele elegeu, meses antes, para apresentar aquela que marcou sua despedida da Rochas, no 30 da rue François Premier. “Não foi proposital, mas eu percebi as semelhanças entre os lugares desde o princípio”, ele conta, revelando sua paixão pelo contraste entre o dramático e o bruto: “j’adore”.

Durante o desfile, a atmosfera ganhou dimensões de teatralidade, um assunto que sempre permeou a vida de Charles. “Sou fascinado pelo teatro desde pequeno”, lembra. “Cresci em um ambiente artístico e isso desenvolveu um gosto particular em mim. Penso nas paredes dos meus avós, sempre cobertas com tecidos diversos que misturavam o clássico e o excêntrico”. Entre os familiares pintores e músicos, a mãe, que sempre desenhou, se destaca entre as primeiras referências. Para além da moda, as ilustrações de Charles, que ganham vida em estampas a cada coleção, também marcam sua assinatura na moda.

O estilista Charles de Vilmorin (Foto: Divulgação)

Na galeria pessoal de inspirações artísticas, ele lista Tim Burton, Egon Schiele e Chagall, que nesse desfile veio representado em esculturas de cisnes e cavalos, penduradas nos modelos e criadas nos ateliês de Damien Moulierac. Ainda que dramáticas, os habitués das criações de De Vilmorin não ignoraram o tom sóbrio da apresentação, na contramão das cores vibrantes que, antes, eram tradição na obra do estilista. É aqui, ele explica, que se materializa o tema bélico da coleção, em uma batalha de simplicidade e excentricidade, de brancos, pretos e vermelhos.

“A narrativa dialoga muito com meu próprio processo criativo. Há um mélange de estilos, de brutalidade e sofisticação”, no que ele também revela como uma representação da liberdade que surge da pressão. Em sua própria concepção, há a mesma aura teatral que, em outros desfiles da temporada (ele cita Schiaparelli, Viktor & Rolf, KidSuper e outro estreante, Thom Browne), também apareceu.

Não foi, de longe ou de perto, um espetáculo sombrio. Nos 23 visuais desfilados, surgiram pinceladas e desenhos em cores fortes, e a temperatura da sala subiu com a passarela sorridente de Inès de la Fressange, que apareceu entre as colunas vestindo um capuz e alfaiataria noire. “Há muitas razões, pessoais e emotivas, para eu tê-la chamado para desfilar. Ela é um dos ícones da minha mãe e a conheci em um jantar há dois anos. Inès é a representação da gentillesse, além de ter uma motivação que eu mesmo precisei descobrir em mim com esse desfile”.

Segundos antes de sua entrada na passarela, outro visual igualmente íntimo para Charles apareceu, dessa vez completamente espelhado. “La robe miroir”, como ele descreve, “nasce da minha maior fonte de inspiração: as pessoas”. Para ele, as amizades que cultiva em nichos diversos – como a cena musical – são parte crucial de seu trabalho. “Sem dúvida, são como musas para mim. É como uma troca. Há muito no mundo que me inspira”.

Nesse mundo, que tem Paris como capital, a música é acompanhante diária. Na playlist, “eu escuto um pouco de tudo. Muitas músicas francesas, piano, rap francês… Mas admito que não sou muito fã de música clássica. Sei que seria elegante dizer isso, mas não é caso”, ri. Em noites na cidade, adora marcar presença em salles de concerts, como o Trianon, L’Olympia, Les Trois Baudets, La Cigale e Le Pop-Up du Label. Quando opta pela boemia, é assíduo do Mansart, no Pigalle, “ainda que não seja muito original”, brinca.

No estilo de vida que criou para si mesmo, sua personalidade se desdobra em nuances detalhadas que, aos poucos, revela em suas próprias coleções (que prometem seguir no calendário de desfiles) e nas redes sociais. Antes de responder uma última pergunta, impertinentemente íntima, toma mais um gole de café. Qual é o perfume de Charles de Vilmorin? “Coromandel, da Chanel”.

Charles de Vilmorin, alta-costura inverno 2023 (Foto: Divulgação)

(Conversa com o editor de moda Guilherme de Beauharnais, publicada originalmente como “O Pequeno Príncipe”, na edição de agosto/2023 da Harper’s Bazaar Brasil)