Por Fernanda Fehring
A primeira vez que ouvi falar de Alto Paraíso ou da Chapada dos Veadeiros, ainda criança, foi quando uma tia querida me falou que a filha de uma amiga dela havia “enlouquecido” e se mudado para lá. Explicou que a moça, nascida em berço de ouro e parte de uma das famílias mais tradicionais do Rio de Janeiro, vivia em uma comunidade “no meio do mato”, que aguardava a visita de aliens, e que havia dado à luz seus filhos através de um parto de cócoras.
De olhos arregalados, me lembro de ter perguntado mais detalhes de como seria esse lugar e ter ouvido as palavras “cachoeiras”, “hippies” e “discos voadores”. Imediatamente, minha cabeça começou a imaginar mil cenários de como seria esse lugar tão diferente de tudo o que eu conhecia.
Finalmente, em novembro de 2020, quando, inocentemente, pensávamos que a pandemia parecia estar perto do fim, fiz minha primeira visita a esse lugar, que já ocupava um lugar meio estranho, meio bizarro no meu imaginário. Fui com um grupo de meditação para cinco noites na Chapada. Não tinha ideia do que encontraria por lá, já que não conhecia absolutamente nada daquela parte do País. Nem mesmo Brasília.
Gostei tanto, mas tanto, que voltei com minha família menos de um ano depois, em julho de 2021, para curtir férias escolares em um dos lugares que já é dos meus preferidos no Brasil. Na verdade, desde que pisei pela primeira vez na Chapada dos Veadeiros, me prometi que dali para a frente voltaria todos os anos para visitar este verdadeiro pedaço de paraíso na Terra.
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
Localizado a 230 km de Brasília, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, é uma unidade de conservação brasileira, que foi criada em 1961 por Juscelino Kubitschek. Está situado entre os municípios de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante, Teresina de Goiás, Nova Roma e São Jorge. Tem área total de 240.586 hectares de cerrado de altitude e abriga centenas de nascentes, cachoeiras e cursos d’água, além de rochas com mais de um bilhão de anos. Foi declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2001.
Misticismo
Além da beleza natural, a Chapada dos Veadeiros conta também com um forte apelo místico. O local é considerado um poderoso centro de concentração energética devido à abundância de quartzo encontrado em seu solo. Acredita-se que exista uma enorme placa de quartzo no subsolo de toda a região da Chapada.
O mesmo quartzo, que trouxe, primeiramente, os garimpeiros para a região, trouxe também, anos mais tarde, os primeiros hippies e exotéricos. Chegaram atraídos, não só pela energia dos cristais, mas também pela aura envolvendo o Paralelo 14.
O paralelo corta Alto Paraíso e a cidade de Machu Picchu, no Peru, criando uma ligação entre as duas cidades. Muitos acreditam haver ali um portal energético ligando Brasil e Peru.
Chegando lá
A viagem de Brasília até Alto Paraíso, a “capital” da Chapada dos Veadeiros, dura três horas em uma estrada impecável. Uma parada estratégica na Vó Belmira, um misto de lanchonete e deli, que serve boas empadas, folhados, coxinhas e outras delícias locais, marca o meio da viagem. Um bom momento para esticar as pernas e realizar que o ritmo frenético das grandes cidades ficou para trás.
Alto Paraíso e São Jorge
Alto Paraíso de Goiás é uma cidade a 1200m de altitude, pequena e tranquila, com uma rua principal e alguns restaurantes e lojinhas de pedras e vestidos indianos. A grande atração da região é a natureza, as cachoeiras e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Sendo assim, a cidade serve apenas como um apoio ao visitante, e não é uma grande atração por si só. São Jorge, a alguns quilômetros dali, é mais charmosa e descolada. Suas ruas sem asfalto dão um tom mais “roots” e uma aura mais “bicho-grilo” ao lugar. As lojinhas de óleos essenciais, produtos de babosa e souvenires de ETs completam o quadro. Mas engana-se quem acha que São Jorge é um vilarejo mais ripongo, pois é ali que se encontram dois dos melhores restaurantes da região: o Rústico, de carnes; e o Santo Cerrado, de massas e risotos. Duas excelentes opções para um almoço de fim de tarde depois de um dia inteiro de trilhas e cachoeiras.
Natureza exuberante
Rios, cachoeiras, saltos, nascentes e pedras enormes de cristais de quartzo vistas pelas trilhas. Tudo isso já seria incrível por si só e uma forte razão para visitar a Chapada dos Veadeiros. Mas é a beleza do cerrado de altitude, que emociona de verdade. Sua terra vermelha, sua vastidão, as matas ciliares ladeando os rios e as espécies raras de fauna que habitam a região, são alguns dos traços mais marcantes do local (50 espécies já foram classificadas como raras, endêmicas da Chapada ou em risco de extinção). A flora do cerrado, tão incomum aos olhos de quem mora em uma grande cidade, é também de uma beleza incomparável. Buritis, cajueiros, canelas de ema, ipês e quaresmeiras servem de cenário para o vôo de tucanos, araras Canindé e carcarás. Um espetáculo que poderia (facilmente) passar horas assistindo.
O que fazer por lá
Mas quais são as trilhas e cachoeiras mais bacanas da Chapada?
Abaixo listo alguns dos meus passeios preferidos:
Vale da Lua
O Vale da Lua é o ponto mais visitado da Chapada dos Veadeiros. Foi batizado assim pois seu cenário parece uma paisagem lunar. Localizado na Serra da Boavista, o lugar é um conjunto de formações rochosas cavadas nas pedras pelas corredeiras de águas transparentes do rio. Além da beleza das pedras, a vista da serra que se tem do Vale, é simplesmente de capotar.
Jardim de Maytrea
O Jardim de Maytrea é um dos principais cartões postais da Chapada dos Veadeiros. Um campo aberto que fica dentro do Parque Nacional, rodeado por montanhas como o Morro do Buracão e o Morro da Baleia, o lugar é considerado sagrado por místicos que moram na região e acreditam que lá exista um portal para outras dimensões. Fato ou folclore, a verdade é que o Jardim de Maytrea, lindamente pontilhado por suas veredas e buritis, parece mesmo ser um lugar celestial.
Cachoeira do Segredo
Uma linda trilha de 3 km que ladeia o cristalino Rio do Segredo, leva o visitante até um dos mais bonitos lugares da Chapada: a Cachoeira do Segredo. Trata-se de uma queda d’água de 80 metros de altura que cai de uma fenda entre cânions, em um lindo poço de águas claríssimas. É sensacional.
No meio do caminho até lá, uma parada na Prainha – uma praia de rio de águas azuis turquesas – é uma ótima pedida para refrescar e dar um gás extra para completar o resto da trilha. A última parte conta com uma visão aberta para a incrível Serra do Segredo.
Cachoeira do Poço Encantado
Uma opção deliciosa para famílias e para uma manhã mais relaxada e tranquila, é uma visita ao Poço Encantado. Uma trilha fácil, saindo de um restaurante com banheiros e chuveiros, leva até a cachoeira linda que desagua em um poço e uma pequena praia de rio. Com uma boa estrutura e até um SUP para alugar, é um delicioso lugar para nadar, ler um livro ou apenas pegar um sol.
Cataratas dos Couros
O complexo das Cataratas dos Couros é dos lugares mais bonitos que já visitei. Por ser de difícil acesso, a 53 km de Alto (18 km em asfalto e 35 km em estrada de terra), o local atrai menos visitantes do que sua beleza merece. A primeira trilha, não muito fácil e cheia de pedras, leva até a magnífica Cachoeira da Muralha, um conjunto de quedas d’aguas por cima de formações rochosas em tom alaranjado. Lindo de morrer. A Muralha é dos melhores pontos para nadar.
Almécegas 1.000
Seguindo em frente, chegamos à Cachoeira Almécegas 1.000, a cachoeira mais bonita da Chapada. Com uma queda de 70 m, sua beleza é de tirar o fôlego. A trilha para a parte mais baixa, e mais bonita, é de difícil acesso, através de um paredão de pedras. Não é recomendável para quem não esteja 100% em forma. Mas quem se aventurar, e encarar o trajeto, vai encontrar um cenário simplesmente extraordinário.
Onde ficar
O verdadeiro luxo da Chapada do Veadeiros está em sua magnífica beleza natural, sua energia pura e seu ritmo desacelerado. As cidades são tranquilas e low profile e não existe hotéis de luxo por lá. Porém, as cidades de Alto Paraíso e São Jorge contam com boas e confortáveis pousadas, com serviço gentil e atencioso. Em Alto Paraíso, gosto muito da Pousada Maya (fotos abaixo) e da Pousada Casa da Lua. A Pousada Recanto da Grande Paz também é uma boa opção.
Em São Jorge, a Baguá Bangalôs funciona em estilo AirBnb e a Pousada Inácia, no Vale Verde, mais isolada, seria a opção mais luxuosa da região.
Cavalcante e o Quilombo Kalunga
Durante nossa permanência por lá, a cidade de Cavalcante estava fechada por conta da Covid-19 e não pudemos visitar suas belas cachoeiras e poços azuis turquesa, incluindo as mais famosas delas, a Cachoeira Santa Bárbara, a Capivara e a Candaru. Por conta do grande número de idosos na cidade, a abertura para turistas foi rigidamente controlada durante a pandemia. Cavalcante, juntamente com Teresina de Goiás e Monte Alegre, fazem parte do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, a maior comunidade remanescente de quilombo do Brasil. São 20 comunidades, espalhadas por 42 localidades em uma área de 262 mil hectares.
Como explorar a Chapada
Para conhecer os locais indicados, o ideal seria sempre contratar um guia para fazer as trilhas e chegar até as cachoeiras. Na nossa última estadia por lá, contratamos a agência Paralelo 14, que montou todo o nosso programa, nos buscou em Brasília e fez todos os passeios conosco.
Ficha técnica da viagem
POUSADAS
Pousada Maya – Alto Paraíso @pousadamayaoficial
Pousada casa da Lua – Alto Paraíso @casadaluapousada.oficial
Pousada Recanto da Grande Paz – Alto Paraíso @recantodagrandepaz
Pousada Inácia – Vale Verde, Alto Paraíso @pousadainacia
Baguá Bangalôs – São Jorge @baguabangalos
RESTAURANTES
Restaurante Vegetariano Alquimia – Alto Paraíso
Restaurante Jambalaya – Alto Paraíso
Restaurante Rústico – São Jorge
Restaurante Santo Cerrado – São Jorge
PASSEIOS E TRANSFERS:
Paralelo 14 – Fagner @paralelo14
@fernandafehring é formada em Hotelaria, Gastronomia e Turismo pela Universidade de Surrey, na Inglaterra, e em Cozinha pela École Le Cordon Bleu, de Paris. Foi expatriada por 18 anos, morando em países como Inglaterra, Alemanha, China, França e África do Sul. Mas é no Rio de Janeiro que Fernanda se sente mais feliz. Formada pela McQueens de Londres, Fernanda teve um ateliê de flores durante seis anos no Rio. Trabalha atualmente como curadora de viagens e colunista, e sua grande paixão são as viagens de natureza e de isolamento. País preferido no mundo? África do Sul. Viagem dos sonhos? Alasca.