
Quando se fala em estética utilitária, inevitavelmente, a primeira imagem que vem à cabeça é de um uniforme militar – cheio de bolsos e botões. E tal relação não é por acaso. Praticidade e resistência são dois aspectos que gritam alto. Sobretudos pesadíssimos, parkas volumosas, macacões quadradões e calças cargo, que, naturalmente, já sugerem uma vida sem frescuras, são pensadas para enfrentar temperaturas extremas, movimentos bruscos ou atritos.
Não à toa, a tendência voltou à cena graças às últimas temporadas, com uma enxurrada de desfiles apostando no diálogo entre empoderamento feminino e trajes de soldados. Há uma força intrínseca nessa imagem. Parte do zeitgeist resgata fragmentos da Segunda Guerra Mundial, quando as mulheres trocaram seus vestidos e saias longas por roupas militares dos maridos.
Hoje, de Balmain a Versace, passando por Ralph&Russo e Stella McCartney, a missão das grifes é tornar a aparência desejável, mesmo resgatando traços originais austeros, com pitadas de romantismo, sensualidade ou modernidade na medida certa.
Surpreendentemente, o mestre belga Raf Simons transformou os casacos dos bombeiros nova-iorquinos com sinalizadores em hit absoluto. Na sua terceira coleção para a Calvin Klein, foi a vez de provar que jaquetas com listras refletivas aplicadas na barra formam um bom par com escarpins e maxicoat de lã por baixo, em um cenário com andaimes de ferro e pipocas espalhadas pelo chão.

Em solo britânico, ela também apareceu. Christopher Bailey sugeriu o contraste da jaqueta vibrante em um look masculino composto por alfaiataria neutra na sua despedida da Burberry.

Miuccia Prada, a gênia responsável por trazer o nylon mais próximo da realidade no mercado de luxo, extrapolou seus limites na hora de falar sobre o seu utilitarismo. No primeiro desfile apresentado no prédio da Fondazione Prada, camadas pesadas e parkas quadradas remetiam aos uniformes dos trabalhadores de construção civil, em encontros felizes com a aparência sofisticada de alguns tecidos, como tweed e tule.
Herança do inverno 2018 masculino e resort 2018 feminino exibidos no último mês de janeiro, a estilista levou crachás de identificação para a sua passarela em versões fluorescentes aplicadas em cocktail dresses. Outro detalhe marcante foram as capas de nylon com cordão sobrepondo escarpins, sugerindo uma espécie de defesa.

Migrando literalmente para as cabeças, o acessório-surpresa foi a balaclava. Conhecida como touca-ninja, ela tem como função proteger do frio e, no automobilismo, é feita com material resistente ao fogo. Funcionalidades à parte, a Gucci ficou distante dessas propostas. Alessandro Michele foi além. Dentro da sala cirúrgica reproduzida para ser o cenário, as balaclavas de tricô estavam relacionadas diretamente com o estado de recuperação pós-operatório, em um processo de construção de identidade.

A versão, sem esconder o rosto, se repetiu na sua conterrânea Marni, em uma sintonia de cores vibrantes, e na Lacoste, com franzidos nas bordas finalizados com um cordão.

Alexander Wang comprou a ideia em uma vibe Matrix, com sobreposição de camisa boyish e calças superjustas, remetendo rapidamente à atmosfera noturna e festiva, duas características sempre presentes nas suas coleções.

Independentemente da temática, há um denominador comum no utilitarismo: a androginia. Uma conexão exata com o momento atual da moda, que procura unir gêneros, com igualdade e liberdade.
Leia também:
Logomania: grifes internacionais estampam logotipos sem medo do “cafona”