
Tudo sobre a histórica boutique da Cartier que acaba de reabrir em Paris (Créditos: Cartier)
Depois que a semana de moda de Paris acabou no início de outubro, poucos nomes no mundo do luxo ficaram tão em alta como a Cartier. No final de setembro, a maison revelou sua terceira e mais nova bolsa de couro, a “Panthère de Cartier”, e até recebeu Bazaar em seus ateliês na capital francesa para conferir a novidade. Na semana seguinte, o acessório foi apresentado ao mundo nas mãos da atriz Lily Collins (a eterna “Emily in Paris“), que protagonizou a campanha.
A joalheria, conhecida por seu tom de vermelho clássico, continuou no centro das atenções quando, em 11 de outubro, Francesa Cartier-Brickell, herdeira de um dos ramos da família, recebeu convidados no lançamento da edição francesa de seu livro “The Cartiers”. A obra (já um sucesso em inglês), revela os bastidores de como seus antepassados construíram um império e a publicação chegou à cidade-luz com um timing perfeito: nesta sexta-feira (28.10), a marca revela ao público sua histórica boutique no número 13 da Rue de la Paix, completamente renovada depois de mais de dois anos fechada.

O átrio da nova boutique Cartier, idealizado pelo arquiteto Moinard Bétaille (Créditos: Cartier)
O endereço é um dos mais famosos na história da alta-joalheria francesa. A rua, que dá acesso à famosa Place Vendôme (onde outras casas de joias fizeram sede, como a Boucheron, Chaumet e Van Cleef & Arpels), foi construída a mando do imperador Napoleão Bonaparte em 1809 e, ao longo do século 19, recebeu algumas das mais famosas casas de luxo. Os estilistas Jeanne Paquin, Jacques Doucet e até Charles Frederick Worth (o pai da alta-costura) tinham suas próprias boutiques na avenida, que por décadas atraiu um mix de figuras da elite europeia. Em 1899, foi a vez da Cartier abrir seu próprio endereço por lá.
Fundada em 1847, a maison mudou de endereço em três ocasiões em quase 50 anos. Louis-François Cartier, o fundador, começou a firma da Rue de Montorgueil, antes de se mudar para o número 5 da Rue de Neuve-des-Petits-Champs em 1853, próximo ao elegante Palais Royal. Em 1859 (mesmo ano em que a imperatriz Eugénie se tornou cliente), ele comprou uma boutique maior no número 9 da Boulevard des Italiens, onde ficou até 1899. Nesse ano, Alfred e Louis Cartier (seu filho e neto, respectivamente) compraram a loja no número 13 da Rue de la Paix, onde costumava existir o luxuoso Hôtel Westminster. Depois de leiloado, o prédio foi dividido ao meio: inicialmente, metade ficou para os Cartier, enquanto a outra parte ficou para a firma de lingeries Martial & Armand.

A fachada da boutique Cartier no 13 Rue de la Paix, em 1912 (Créditos: Cartier Archives | Taponier)
O novo endereço representou uma verdadeira revolução para a joalheria, que passou a atender uma clientela diversa de aristocratas, burgueses e novos-ricos vindos não apenas de Paris, mas de Londres, Nova York, Berlim e até São Petersburgo. A escolha da rue de la Paix não foi acidental: um ano antes, Louis Cartier, aos 23 anos, se casou com Andrée-Caroline, neta de Charles Frederick Worth. A união foi infeliz, mas trouxe uma aliança necessária entre as duas firmas líderes no mercado de luxo e, ainda mais importante, o dinheiro necessário para a família de joalheiros comprar o espaço na Paix. Agora, clientes podiam encomendar seus vestidos de alta-costura a poucos passos de distância de onde compravam suas joias.

Os bastidores da reforma (Créditos: Laziz Hamani | Cartier)
Louis detestava o casamento e a empresa familiar se tornou seu grande amor. Além das inovações nas criações (como o uso da platina, uma assinatura da Cartier), ele supervisionou toda a reforma da nova boutique. O arquiteto Gauthier ficou responsável pela primeira decoração oficial (hoje completamente alterada) e, em 1912, o decorador Boulanger repaginou a loja. O mesmo aconteceu em 1927, com o designer de interiores Carlhian.
Apesar das mudanças, a disposição da boutique se manteve praticamente igual. Na entrada, a Grande Galerie dava acesso aos salões menores, todos devidamente batizados de acordo com a decoração ou os produtos lá encontrados: Joailleries, Anglais, Vert, Blanc e, o mais famoso, Perles. Esse último era dedicado às pérolas, que representaram 60% do lucro anual da Cartier até o fim da década de 1920.

A vitrine da Cartier, fotografada em 1907, com as joias criadas para a Princesa Maria Bonaparte, para seu casamento com o Príncipe Jorge da Grécia e Dinamarca
Os colares de pérolas, disputados pelas clientes, eram montados por uma certa Madame Ricaud, a primeira mulher a ser contratada pela firma. Alfred Cartier, entretanto, não admitia a presença do “outro sexo” na loja oficial, então confinou sua funcionária aos ateliês do outro lado da rua, no número 4. Percebendo os riscos financeiros e falta de segurança em cruzar a avenida com caixas cheias de colares caríssimos, Louis trouxe Ricaud para o número 13, escondido do pai. Debaixo das escadas, em um quartinho de vassouras, ela trabalhou por semanas até ser pega por Alfred enquanto saía para beber água. Ele ficou furioso, mas ela continuou trabalhando na boutique principal.
Atrás do Salon des Perles, ficava o escritório de René Prieur, secretário de Louis Cartier a partir de 1911. Nesse espaço, aconteceram algumas das maiores transações na história da marca, incluindo a venda do colar de safiras do príncipe Stirbey para o rei Ferdinando da Romênia. Ainda mais atrás, era a sala do próprio Louis, onde eram recebidos os principais clientes da maison, incluindo a rainha da Espanha, o Aga Khan e a Grã-Duquesa Maria Pavlovna da Rússia. Ela, aliás, foi o primeiro membro da realeza a entrar no número 13 da Rue de la Paix. Dezenas de outros seguiriam o exemplo.

O novo salão Jeanne Toussaint, no primeiro andar da boutique, idealizado pelo arquiteto Moinard Bétaille (Créditos: Cartier)
Desde o início, o endereço era repleto de novidades, como luz elétrica e um telefone (a Cartier foi uma das primeiras boutiques em Paris a possuir as duas tecnologias), além de um carro para entregas. No evento de inauguração, a duquesa de Sutherland, a condessa de Fels, o barão Hottinguer e a baronesa Edmond de Rothschild estiveram entre os nomes ilustres da lista de convidados.
Cento e vinte e três anos depois, a Cartier voltou a organizar um evento de estreia (onde Bazaar marcou presença), para revelar a boutique histórica completamente renovada. Para além da fachada de mármore negro, que agora ganha um design floral feito pelo Studio Mary Lennox, em parceria com a designer de perfumes da joalheria, Mathilde Laurent, três times de arquitetos (Moinard Bétaille, Studioparisien e Laura Gonzalez) trabalharam na revitalização dos seis andares do espaço, que já abrigaram os ateliês de Jeanne Toussaint, a lendária diretora-criativa que popularizou o motivo da pantera.

A fachada da Cartier, em Paris, no início do século 20 (Créditos: Cartier Archives)
Assim como em reformas anteriores, quase nada do espaço “original” foi preservado, oferecendo uma experiência completamente nova aos clientes e curiosos. Enquanto a boutique, com 40 atendentes, ocupa o térreo e os dois andares acima, o terceiro andar é dedicado a serviços diversos para os clientes. No quarto, voltam a funcionar os ateliês de alta-joalheria da casa, com 37 artesãos e 18 joalheiros, enquanto o quinto e o sexto começam a abrigar os arquivos da maison, o jardim de inverno e a Residence, um espaço exclusivo dedicado à habitação, recepção de convidados e eventos culturais. Todo o projeto valoriza a luz natural do sol parisiense, além de estar de acordo com as certificações do sistema BREEAM, focado em sustentabilidade.

A Residence, no quinto andar da boutique reforma, idealizada pela arquiteta Laura Gonzalez (Créditos: Cartier)
Em uma união curada de passado, presente e futuro e uma combinação de história e modernidade, a Cartier se renova com um olhar artístico para nova década, conquistando um lugar privilegiado no hall dos lugares mais luxuosos (e imperdíveis) em Paris.