São quase 50 anos de carreira, uma vida de shows, sucesso e uma garra que não tem fim. Assim é Simone Bittencourt de Oliveira, ou simplesmente Simone, a cantora baiana que nasceu no esporte e usou seu conhecimento com a atividade esportiva para se dedicar à música. Sim, segundo ela, o esporte lhe deu tudo, disciplina, dedicação e força. Aos 72 anos de idade, Simone se prepara para dar o start em sua nova turnê, “Da Gente”, do seu trabalho mais recente, um álbum homônimo lançado em março.
Nesta sexta-feira (22.07), estará em Pernambuco, onde se apresenta no Festival de Inverno de Garanhuns. Está ansiosa por esse reencontro com o público e porque vai conhecer boa parte dos compositores do disco, formado por autores nordestinos e 80% deles mulheres.
Na vida, está feliz, muito feliz, completa. Com tesão pela música e por si própria. Acredita que as mulheres devem se masturbar e gozar, sim, porque isso é bom. A cantora, que vive no Rio com sua cachorrinha Lola [presente da amiga Ana Maria Braga], quer mais e mais da vida, gosta de caminhar e acha que “sempre as mulheres no pedestal”, quando o assunto é feminismo. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, mas ninguém venha se meter com os meus direitos, muito menos com os meus direitos sexuais, eles são meus”, diz sobre etarismo.
Plena, Simone não parou nem na pandemia. À época, fez 37 lives em que cantou 500 músicas, sempre aprendendo a lidar com a tecnologia. “Foi um pouco difícil porque eu não tenho a menor habilidade com celular, eu uso para falar”, conta. A turnê “Da Gente” vai rodar o Brasil e terá palco no exterior, onde deve começar por Portugal.
Leia a seguir integra da entrevista que Simone deu à Bazaar via Zoom.
Como está a cantora Simone hoje?
Eu estou muito bem, driblando essa loucura toda pela saúde. Estou ótima, feliz, continuo com o maior tesão por cantar, não perdi o sonho, sabe? O frio na barriga continua, a ansiedade é imensa.
Fale sobre a experiência de fazer lives, foram 37, né? Gostou? Como foi isso para você?
Para mim foi a salvação, literalmente foi a salvação. E não sei o que teria sido sem fazer as lives. Foi um pouco difícil porque eu não tenho a menor habilidade com celular, eu uso para falar. Achei muito legal, embora toque violão muito mal, deu para fazer, usando alguns BGs (background). Eu me predispor a fazer aquilo, olhando para a câmera do celular e sem saber o que estava acontecendo (risos). Mas eu entrava e me arrumava como se estivesse mesmo fazendo um show. Eu vi uma live do Martinho da Vila, ele com um tamborim, achei aquilo o máximo, eu estava em Itu. Quando voltei para o Rio, já cheguei com a ideia de fazer as lives. No começo era tudo rudimentar, usei tampa de panela, suporte de lixo, tudo para pôr o iPad na minha altura, mas deu certo. Foi um momento tenso, mas de solidariedade também, eu pedi BGs para os amigos, músicos. Foi um ano assim, eu não ia sair de casa, mas ia fazer um show. Eu cantei mais de 500 músicas, muitas delas eu nem conhecia. Mas era a vez do artista ir para a casa das pessoas.
Com sentiu a receptividade do público?
Todo mundo dando a maior força, dizendo “vamos, lá”.
Tem vontade de fazer mais coisas nesse modo online?
Ai, não sei, eu sinto falta do calor do público. A coisa de você cantar para uma máquina… Eu pensava que estava em um show, estava ali. Não dava tempo de ler as mensagens, era muita coisa para a cabeça.
Queria que você contasse sobre os shows que fez com Ivan Lins, como surgiu essa parceria?
Eu convidei o Lins para fazer, a Time For Fun estava fazendo esse encontro de duas pessoas, nós já tínhamos feito algumas coisas juntos, tanto no Brasil como fora, eu fiz um disco só com músicas dele. Foi ótimo, eu consegui tirar o Ivan do piano, a Zélia [Duncan] fez a direção. Ele é um grande compositor.
E o seu álbum “Da Gente”, como foi a escolha das músicas? Você privilegiou compositores nordestinos e mulheres, foi uma volta às origens?
Olha, a gente não pensou em fazer um disco com 80% de mulheres, isso foi acontecendo. Esse projeto existia desde o final de 2015, mas eu fui empurrando, em 2015 e 2016 eu tinha compromissos para cumprir, teve esses shows com o Ivan [Lins], que também me tomaram um tempo enorme. Em 2020 eu chamei a Zélia [Duncan], nos encontramos em dezembro, eu a convidei para fazer a direção artística, nós nos damos muito bem, as nossa vozes se dão bem.
Quem bom que você falou sobre isso, porque a minha próxima pergunta era exatamente sobre a Zélia Duncan, como ela compôs esse laço entre você e os compositores nordestinos?
A ZD [Zélia Duncan] é muito curiosa, além de ela trabalhar em diversas áreas artísticas, ela tem uma curiosidade e inquietação que são maravilhosas, então ela sabe e conhece muito. Ela havia feito um trabalho com o Juliano Holanda. Eu nunca vi uma pessoa para escrever tanto, ela canta, escreve, faz livro, cinema, lá vai ela, né? Quando eu falei do projeto, de cara ela me falou do Juliano, e eu topei na hora, disse que estava aberta. O projeto tomou forma com essas pessoas novas que a Zélia trouxe. O mais interessante é que eu não os conheço pessoalmente, as autoras, autores, além, obviamente de Juliano. Espero conhecer todos eles, ou parte deles, em Recife, agora. Mas eu tinha o respaldo tanto da Zélia como do Juliano, então fui privilegiada.
Essa sua apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns é o start das apresentações desse trabalho?
Não. Eu vou fazer um show tipo avulso, não é o show do “Da Gente”, eu vou cantar músicas do trabalho novo, mas não é o start da turnê.
Está ansiosa para este show em Pernambuco?
Muito, muito, muito.
Se esse é um show avulso, quando começa a turnê?
Vamos esperar as coisas acalmarem um pouco, acho que depois de outubro. Eu tenho que ensaiar, tenho duas pessoas de Recife, duas de São Paulo, e eu moro no Rio. Tem que organizar toda a essa parte.
Por onde mais a turnê deve passar, pretende viajar o Brasil? Vem a São Paulo?
Sim, sim. E vou para São Paulo. Eu acredito que será uma coisa muito legal. Eu estou bem feliz, animada, e isso é ótimo.
E agenda internacional, pretende levar o show para fora?
Pretendo, sim. Eu ainda tenho um compromisso em Portugal, em Lisboa, Porto. Mas no ano que vem eu já vou para lá com o show “Da Gente”. Porque esses shows [avulsos] estarão acontecendo, mas não impedem que eu esteja ensaiando para dar o start na turnê.
Então quer dizer que independentemente desse show em Garanhuns você vai fazer outros avulsos?
Sim, com certeza.
Como é o lado compositora de Simone, com “Nua”?
O Tiago Torres [poeta português] vinha muito ao Brasil, todo ano ele passava três meses aqui. E ele tinha um projeto de ser gravado por artistas brasileiros. Eu não tinha uma música, ele me ligou, e eu gravei uma música dele e da Joyce. Aí eu falei, Tiago, mande um poema para mim, quem sabe. Aí ele mandou o “Nua”, eu olhei a letra e saiu a música. Eu cantei [“Nua”] duas vezes nas lives, uma vez só com violão e a outra, com piano, e cantava em casa. A Zélia conheceu, o Juliano também. E todos disseram para colocar no disco. Eu sou uma pessoa muito tímida e escabreada, mas ficou legal a música com o poema do Tiago. Eu componho muito pouco, né? No fim são duas música, uma com o Tiago e uma com a Zélia, eu pedi a ela para escrever uma letra para mim, em que eu agradecia às pessoas pelas lives, o que foi feito ali, o que surgiu de coisas boas, e a Zélia fez uma letra muito interessante. As vezes em que compus algo foi direto, eu olho a letra e sai. E fiz essa música com a Zélia, que eu não gravei, mas que cantei na live, que se chama “E vocês Estavam Lá”. “Quando a luz apagou, eu quis pisar no chão, eu estendi a mão e encontrei você” (canta). Mas duas músicas minhas no mesmo disco não dá (risos). As pessoas que não são nordestinas desse trabalho [“Da Gente”], são a Zélia e o Tiago Torres.
Pretende gravar um álbum pelos seus 50 anos de carreira, que se completam em abril de 2023?
O trabalho comemorativo começa com o lançamento desse disco [o “Da Gente”]. Vai ser uma loucura o que esses 50 anos serão comemorados. É uma coisa que eu falo assim, é tudo muito rápido, muito rápido.
Quais são planos para comemorar a data? Pensa em algo especial?
Eu sou uma pessoa que pensa no momento, eu vivo o hoje, o agora. Até uma viagem que eu tenho para fazer daqui um mês meio, por exemplo, acontece alguma coisa que não dá certo, então eu gosto do agora. Mas o pessoal que trabalha comigo quer fazer um baile de debutante [pelos 50 anos]. Eu deixo a vida me levar.
Como é chegar aos 72 anos linda e plena?
Isso são os olhos de vocês, eu tenho até medo de aparecer em cena. Eu sou uma pessoa muito simples, eu faço várias coisas erradas. Mas minha alimentação é super legal, eu gosto de pouquíssimas coisas, mas nunca fui de comer fritura, não gosto de gordura, de fast food, hambúrguer, cheeseburguer, eu não gosto de nada disso, linguiça, acúcar, chocolate. Eu não sou gulosa, se eu como alguma coisa que me faz mal, eu não vou comer de novo. Eu gosto de uma carninha bem passada, peixe grelhado, gosto muito de vinho tinto. Mas eu comecei a beber aos 38 anos de idade. Eu fui atleta, nunca fui sedentária, sou ligada no 220.
Como cuida do corpo e da mente?
Por exemplo, dentro de casa, os 10 mil passos eu alcanço rápido, eu sou muito ativa, física e intelectualmente. Eu gosto de me divertir. Assistir a uma série que acrescente coisas. Eu até tentei ver “Game of Thrones”, mas não dá, corta a cabeça de um, enfia a faca no outro, não dá. Eu prefiro assistir a um desenho animado. Eu gosto de caminhar, alongar, faço fisioterapia duas vezes por semana. Eu moro em frente à praia, então gosto de caminhar. Abdominal não tenho feito, mas sou boa. Uma vez nas lives eu disse que se colocassem “Morena Tropicana”, de Alceu Valença, e acompanhar o bit da música, dá para fazer 250 abdominais direto. Não posso esquecer que tenho 72 anos, mas não tenho cabeça dessa idade. Meus hormônios estão em dia, o tesão é bom, acho que as mulheres não podem perder isso, tem que se masturbar, sim, gozar, sim, entendeu?
O que acha do etarismo e todo esse preconceito que permeia a idade quando o assunto é mulher?
Me diga o que eu vou achar disso? Acha que a vida é só quando você tem 18 anos? Que é um burrice, inclusive. Que não sabe nada e acha que sabe tudo. Olha, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, mas ninguém venha se meter com os meus direitos, muito menos com os meus direitos sexuais, eles são meus. Se vocês não querem, eu quero, quero, quero, veja a letra da “Boca em Brasa”, que a ZD fez a letra e o Juliano Holanda a melodia. Estou inteira, entendeu? Inteira.
Para o trabalho visual do “Da Gente” você quis algo natural, sem maquiagem e leve? O que te levou a isso?
Eu não gosto muito de maquiagem, eu faço, mas nem sei fazer. Na época, o contágio da Covid estava muito alto, como está agora, que está voltando tudo. Mas naquela época, a Nana Moraes [fotógrafa]… Ela é maravilhosa, fantástica. Nós já havíamos feito um trabalho aqui em casa que não tinha maquiagem. Então aqui tinha vento, a Nana aproveitou o vento, ficavam com secador por baixo botando o meu cabelo para cima, ficou muito legal. Quando chegou o momento de fazer a capa do trabalho [“Da Gente”], veio todo mundo para cá. Testaram, o maquiador testou positivo para Covid, eu falei vamos fazer sem nada, tem que encarar, ninguém vai achar que a minha pele não sei o quê. A gente subiu aqui em casa, Nana armou as coisas dela, mas eu queria fazer uma coisa outside, não queria nada trancada, só que não parava de chover, e ficamos esperando. Quando deu janela para fazermos, um estava com Covid, o outro estava em São Paulo, e la nave va. Então descemos, o dia estava lindo, a luz do dia estava linda, a água da praia estava quente, o que aqui no Rio é bem difícil, e deu tudo certo. Você tem que ler e ver aquilo que é uma pessoa sem maquiagem, e eu adorei.
Você é feminista?
Sempre as mulheres no pedestal.
E como você se coloca frente a isso?
Querida, eu sempre me coloquei, sempre, levanta a cabeça e enfrenta. Imagina o que eu não sofri com preconceito?
Que dicas daria para quem está começando agora na carreira artística?
As coisas que eu fiz, o que me levou a ter disciplina e dedicação foi o esporte. O esporte é fantástico, porque você tem hora, o relógio é feito para você ver as horas, então os treinos, a faculdade, o acordar, o foco. É o que eu faço na minha vida até hoje. Quando fazia faculdade eu acordava 4h45, eu estudava em outra cidade, eu ia para Santos [litoral sul de SP], trabalhava em Santana [zona norte de SP], treinava em São Caetano do Sul e morava em Moema [zona sul de SP]. Mas tudo bem, tudo maravilhoso. A energia, a conta e a força de você ir, minha vida era o esporte. O telefone para mim é para falar, e fica essa coisa, essa ostra, de ver o mundo através da tela. Mas se você quer abraçar uma carreira, você precisa de extrema dedicação e cuidado. Eu nunca fui uma pessoa de drogas, nem álcool, isso me ajudou muito. O esporte para mim foi essencial. E quando eu comecei a cantar, que foi de uma hora para a outra, agarrei aquilo e parei de trabalhar. Eu morava com os meus pais, mas eu queria ter o meu dinheiro, eu tinha um fusca, que se chamava Filomena, ou seja, eu tinha um fusca, um violão e não tinha uma nega chamada Teresa (risos), minha nega era a Filomena (risos). Eu tive muita sorte, muita. Imagina quanta gente que canta, que tem uma voz deslumbrante, maravilhosa, e que não tem oportunidade. Quando eu tive oportunidade eu fui, parei de trabalhar e me dediquei à musica. Agora, as coisas não são fáceis, né? Mas nunca passei fome, nunca tive família contra, muito pelo contrário, eu fui muito incentivada pelos meus pais, tanto no esporte, como na música. Imagina 40 anos atrás, ou a geração da minha mãe, da minha avó, nem transavam , meu Deus, não conhecia a coisinha com que ia conviver. O tesão está e um dos sentidos.
Você é bem ligada em pets ou a Lola é uma exceção?
Não, eu adoro animais. Nossa, cachorro, então. Eu sempre tive cachorros. Meu primeiro foi um vira-latinha chamado Malhado, depois teve a Chulinha, também vira-lata, depois ganhei um dos alemão, que era do meu tamanho, adorava me embolar com ele (risos), depois tive um afghan hound, que era a coisa mais trabalhosa, e ele não dava a menor bola para mim, parecia um rei ali sentado, aí tive a Nina, Tutsi, a Babi e a Lolinha. Eles ensinam muito para a gente. Eu fico olhando a Lola [que ganhou da amiga Ana Maria Braga, com acordo de guardada compartilhada, o que acabou não acontecendo porque a apresentadora se mundou para SP], olho nos olhos dela, e quando ela acorda a primeira coisa que ela faz é tomar sol, e a gente não aprende, ela não abre mão daquele momento, e fica olhando para mim como quem diz “venha, venha”. Lá vai Lolinha para Garanhuns, ela vai comigo. Quando ela chegou eu disse a ela, para ficar comigo você tem que gostar de viajar, de carro, de avião, de helicóptero, e ela vai numa boa, ela quer ficar junto. Só fico em hotel que é pet friendly, senão não fico. Eu vou passar o som ela fica sentada na cadeira ouvindo. Anda pelo palco, cheira todos os músicos, ela foi criada com música.