A transformação da Serpenti ao longo dos anos aplicada à relojoaria – Foto: Divulgação

Por Orlando Margarido

Ao aceitar o convite da Bulgari para uma colaboração, o artista digital Gabriel Massan definiu de imediato que combinaria suas raízes com a trajetória histórica da grife italiana de luxo. O desafio inédito a um brasileiro, em projeto já integrado por diversos nomes internacionais, se para ele confirmava a maturidade, também exigia responsabilidade. Afinal, envolvia o símbolo máximo da joalheria da marca, a icônica Serpenti, lançada há 75 anos. “Minhas criações na game art e no mundo virtual em geral têm um apelo fofo’’, explica ele. “Mas, nesse caso, lido com uma imagem estabelecida, séria, muito sofisticada, e isso exigiu outra elaboração, sem abrir mão do meu foco”.

O resultado da empreitada, batizada de “Infinite Tales”, pode ser visto nas lojas da Bulgari em intervenções digitais, instalações interativas e imersivas construídas a partir de inteligência artificial até 12 de dezembro, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, e até dia 18 do mesmo mês no Shopping Flamboyant, em Goiânia. Massan ainda produziu três retratos digitais para serem leiloados.

Como elemento definidor do projeto, o artista uniu a inspiração em seres mitológicos constante nos seus trabalhos à imagem da jiboia-do-ribeira, serpente de rara espécie endêmica da fauna brasileira. Restrita ao estado de São Paulo, não foi vista mais de cinco vezes e é curiosidade mundial. “Representa a brasilidade que eu queria para as obras”, aponta.

Massan reúne, assim, fatores que sintetizam sua própria trajetória a um contexto atual. Baseado na Europa entre Berlim, Paris ou outra capital quando a oportunidade chama, este fluminense de 27 anos, nascido em Nilópolis, não abdica das fontes que o formaram já no ambiente familiar. Influi ainda hoje o curso de narrativa literária, que frequentou aos nove anos no Rio de Janeiro, sempre levado pela mãe em viagens de duas horas. “Lá aprendi o sentido de contar uma história, no processo do storytelling presente nas minhas criações.”

O artista Gabriel Massan – Foto: Divulgação

Em 2017, enquanto mexia no computador dado pela tia, uma bolsa de estudos o levou à Escola de Artes Visuais do Parque Lage, para experimentar as técnicas em 3D. Mas, também, a uma decepção, ao apresentar uma performance, mal-recebida. “Foi o primeiro episódio de racismo”, relembra. “Não era um lugar para mim e entendi que eu deveria sair do País se quisesse enxergar melhor as questões que nós, negros, vivemos e levar meu trabalho como queria.” Tal consciência não significa, no entanto, que Massan tenha enveredado por uma arte ativista, de evidência política. Mas a problemática perpassa seus projetos ao menos desde 2019, quando fez uma residência artística em Zaragoza, na Espanha, ponto de virada para ele. “Descobri uma indústria criativa, ainda tímida no Brasil, com novas mídias na pintura, na videoarte.”

Massan cita exemplos atuais de projetos para explicar como procede na discussão de temas caros. Acaba de exibir, junto com colaboradores, na Serpentine Gallery, em Londres, o videogame “Third World – The Bottom Dimension”, um mundo de fantasia que reflete sobre os negros brasileiros e o impacto do colonialismo. Desde 2021, participa de nova residência em Paris. “É um trabalho sobre a brutalidade policial que vitima jovens refugiados e o cerceamento à liberdade artística”, resume. “Lembra um universo que conhecemos bem, não é?”

Amigos da marca

A lista de devotos da Serpenti inclui fashionistas, artistas e ícones da cultura pop, como Andy Warhol. Adicione Elizabeth Taylor, Sophia Loren, Grace Jones e Meryl Streep. Em 2021, Zendaya cruzou o tapete vermelho do Festival de Veneza usando o colar Magnifica Hypnotic. Celebridades como Dua Lipa, Miley Cyrus e Bella Hadid fazem parte desta A-list, assim como Kate Moss, Miranda Kerr e Priyanka Chopra. Na galeria, aparecem Amanda Wellsh, Diana Vreeland, Marisa Berenson e Benedetta Barzini.