
Por Jorge Wakabara
“Desconstrução da alfaiataria” é uma expressão tão batida que já virou até clichê no mundo da moda. Só que a verdade é que as tentativas, muito interessantes e bonitas na passarela, nunca chegaram a pegar de verdade. Um paletó continuou sendo um paletó e um blazer continuou sendo um blazer: com variação de número de botões, mais justo ou menos justo, e era basicamente isso. O spencer, aquela peça de alfaiataria mais curta, ressurgiu nas coleções de inverno 2019 como um paletó cropped: teve na Off-White, Givenchy, Oscar de la Renta, Marni, Michael Kors… Não chegou a virar. Você comprou? Conhece alguém que comprou? Pois é.

Mas eis que Tilda Swinton apareceu no tapete vermelho de “The French Dispatch”, novo longa de Wes Anderson, no último Festival de Cannes, em julho. Todo mundo comentou a química interessante entre ela e Timothée Chalamet, porém também reparou nos looks: ele de terninho prata Tom Ford e ela de… spencer. Sim, spencer: com a barra pontuda, de manga curta, pink, usado com um vestido por baixo e uma manga longa segunda pele douradíssima. A peça criada por Haider Ackermann deu uma pista: será que a nova alfaiataria vem aí, dessa vez de verdade, com o pessoal aderindo no dia a dia? Na tarde seguinte, no photocall do mesmo filme, mais um look icônico de Ackermann em Swinton: era um paletó azul celeste transpassado e de mangas até o cotovelo.
Certo, referências de um dos eventos mais glamorosos do ano talvez não sejam algo que vai chegar no cotidiano. Mas ainda teve outro: na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Tóquio, alguns dos voluntários também exibiram paletó de manga curta. A alfaiataria, que sempre esteve muito ligada à “roupa para trabalhar”, pela sua combinação de praticidade e formalidade, começa a refletir uma outra transformação: a do trabalho. A pandemia marcou a descoberta do home office e, no momento, fala-se muito de um modelo híbrido: trabalho presencial com alguns dias em casa, tentando juntar o melhor dos dois mundos.

Essa nova alfaiataria também é cheia de híbridos: o resort 2022 da Balmain chega com um spencer que ganha amarração saindo da lapela, deixando a barriga de fora, tipo camisa amarrada. Na Burberry, o paletó ganha recortes mais justos em malha que o acinturam e dão graça para a manga. A Chanel amplia a lapela branca, em contraste com o “quase spencer” preto, levemente curto, de um botão só.

O verão 2022 da NYFW, por sua vez, tem terno-macacão sem manga, obra de Peter Do, e spencer com calça curta e bem justa da Michael Kors Collection. Para a Vaquera, a peça ganha a companhia de renda verde fluo; na Christian Siriano, o spencer vem curtíssimo, tipo topzinho! A pegada é sexy e o dress code do escritório que lute…
Além de refletir essas mudanças no modo como a gente trabalha hoje (a mistura entre vida profissional e pessoal; o comfy do qual usufruímos no home office e agora não queremos deixar para trás), esses paletós diferentes também parecem mais atraentes com as altas temperaturas que o mundo enfrenta. Qualquer um se sente melhor com uma peça mais leve em um calor escaldante, certo?
No Brasil, uma estilista que sempre estudou maneiras de mudar a alfaiataria é Giuliana Romano, hoje à frente da marca própria GIU. Um dos carros-chefes da coleção que está à venda agora, é, adivinha, o spencer. Ela explica: “Acredito na casualização da alfaiataria. Sem rigidez, sem forros. A mulher quer conforto, não precisa daquela armadura, do terno dos anos 1980. Ela é multitask, trabalha, sai, é mãe. Quer estar bem vestida, mas não nesse escudo de proteção.”
E a gente não poderia deixar de falar de Thom Browne, um dos grandes nomes da experimentação em alfaiataria hoje: no seu verão 2022 vemos paletós longos sem manga, quase túnicas; sobreposições com peças mais curtas e assimetria nas mangas; lãs frias de risca de giz em vestidos. Uma explosão de novas ideias para variar a “roupa de firma”.

Prefere não arriscar tanto assim? Tudo bem: vale simplesmente usar o terno com a manga arregaçada, como no inverno 2021 de Raf Simons, para dar aquela atualizada rápida. Mas esteja de olho: vai que essa revolução acontece muito rápido e você fica datada com seu terninho de sempre?