Julia Fox veste Schiaparelli – Foto: Divulgação

Por Carol Camargo, de Nova York

Pink, animal print, shorts femininos e coleções temáticas foram apenas algumas das contribuições de Elsa Schiaparelli (1890–1973) para a história da moda. Inovadora e experimentalista, a italiana fez parcerias com Salvador Dalí, Jean Cocteau, Man Ray e Alberto Giacometti, produzindo um diálogo único entre moda e arte. Assim como no icônico vestido com estampa de lagosta desenhada por Dalí, a estética surrealista e o humor sempre estiveram presentes nas criações – nada usuais – da maison fundada em 1927.

Sua lista de clientes passava por nomes como os das atrizes Katharine Hepburn e Marlene Dietrich, da aviadora inglesa Amy Johnson (primeira mulher a pilotar sozinha da Inglaterra para Austrália) e da campeã de tênis espanhola Lilí Álvarez, que usava em quadra as roupas criadas por Schiap especialmente para a prática do esporte.

Schiaparelli – Foto: Divulgação

Assinou figurinos para filmes estrelados por Mae West e a para primeira versão de “Moulin Rouge”. Antes de John Galliano na Dior, ela transformou recortes de jornal em estampa (quem não lembra do vestido usado por Carrie Bradshaw em “Sex and The City”?). Antes de Jean Paul Gaultier, lançou um frasco de perfume (“Shocking”, em 1937) no formato do corpo feminino. Suéteres com frases chamativas muito antes da marca hype nova-iorquina Língua Franca.

Rival de Coco Chanel, mas sem nunca alcançar a mesma fama e status da francesa, a grife fechou em 1954. Em 2006, foi comprada pelo empresário italiano Diego Della Valle, dono da Tod’s e responsável pelo relançamento da Roger Vivier. A marca voltou à tona em 2012. Apesar de todo investimento e histórico, os primeiros passos foram considerados tímidos e sem grande impacto. Mas a narrativa começou a mudar com a chegada do texano Daniel Roseberry, 36 anos, em 2019, que passou 10 anos à frente da grife americana Thom Browne.

Schiaparelli – Foto: Divulgação

Em pouco tempo, o ex-estudante do Fashion Institute of Technology mostrou a que veio com looks como o vestido usado por Lady Gaga na posse do presidente Joe Biden e o longo escultural com transparência no busto com o qual Doja Cat levou seu Billboard Awards para casa. A exposição “Shocking! The Surreal World of Elsa Schiaparelli”, em cartaz até janeiro de 2023 no Musée des Arts Décoratifs, em Paris, promete ajudar a trazer uma nova geração de admiradores.

Julia Fox veste Schiaparelli – Foto: Divulgação

Mas o ápice foi a volta da maison ao line up da Semana de alta-costura de Paris em janeiro. Na primeira fila, a até então pouco conhecida Julia Fox. Graças ao fulminante romance com o rapper Kanye West (que agora adotou Ye como nome e é ex de Kim Kardashian), a atriz foi uma das convidadas especiais para o desfile de verão 2022 com direito um outfit criado especialmente para ela. “Cada parte do look tinha um propósito. Eles fizeram a roupa para se adequar não somente a meu corpo como também à minha personalidade e essência”, declarou Julia na época. Ao lado do músico, as fotos com as produções by Schiaparelli usadas pela atriz na Cidade Luz viralizaram e chamaram atenção de outras labels.

Exceto por participações em longas como “Uncut Gems” (2019) com Adam Sandler, e “No Sudden Move” (2021) com Benicio Del Toro, Fox nunca havia estado sob os holofotes. Antes da carreira como atriz, ela trabalhou como dominatrix, lançou uma marca de roupas com uma amiga (que chegou a ser vendida na Dash, loja que pertenceu às irmãs Kardashian), publicou livros de fotografia e realizou uma exposição com obras feitas com seu próprio sangue. Mãe de Valentino, de 1 ano, já declarou que lutou por anos contra o vício em pílulas e opiáceos.

Schiaparelli – Foto: Divulgação

O affair com Kanye durou apenas seis semanas, mas Julia soube aproveitar muito bem a oportunidade. “Foi incrível para mim! A exposição foi inestimável. Ter estado perto de Kanye foi um curso intensivo de como ser famoso”, declarou ao jornal “The New York Times”. De uma conta de Instagram com posts feitos quase mensalmente e looks que poderiam ser tranquilamente chamados de ‘básicos’, a atriz mudou completamente sua imagem e atitude. A começar pelos 7 quilos que declarou ter perdido por conta do “estresse” de se relacionar com West.

Schiaparelli – Foto: Divulgação

Julia caiu nas graças de grifes como Versace e Diesel. Horas após o anúncio do final do namoro com Ye, ela abriu o desfile de LaQuan Smith, na New York Fashion Week, com um longo cut-out ultra sexy, look que também viralizou e foi chamado pela imprensa de “revenge dress” (vestido da vingança). Tudo porque o final do romance foi atribuído ao fato de West ter enviado flores para Kardashian no Valentine’s Day (14 de fevereiro nos Estados Unidos) pedindo que a ex voltasse para ele.

Schiaparelli – Foto: Divulgação

Cada saída de casa, nem que seja para ir ao supermercado no meio do dia, passou a vir acompanhada de looks inusitados, que geralmente estampavam os tabloides no dia seguinte. Como quando a atriz usou um conjunto de lingerie de malha acompanhado apenas por um blazer e botas de cano longo – ambos feitos de jeans.

Desde então, investiu na carreira de influencer, lançou o podcast “Forbidden Fruits” com a amiga Niki Takesh, engatou uma série de projetos cinematográficos e ganhou o posto oficial de musa de jovens estilistas como Nicolas Pham, Frida J e Luis De Javier.

Schiaparelli – Foto: Divulgação

Na última semana de moda de Paris, em julho, trabalhou com Alexandre Vauthier, Iris van Herpen e Patou by Guillaume Henry. Parte da imprensa americana também adotou Julia e atribui a sua sinceridade e o fato de falar ‘abertamente’ sobre sua vida pessoal como características positivas. “Eventualmente, vou superar a narrativa de Kanye”, declarou. Façam suas apostas.