
Protestantes do PETA no desfile de primavera 2024 da Coach, em Nova York, setembro de 2023. No cartaz e na pintura corporal, as palavras “Coach: o couro mata” (Foto: Getty Images)
Protestos não são novidade no repertório da moda. Em 1966, um grupo de mulheres marchou em frente à Dior, em Paris, com placas em defesa ao uso da minissaia. Quase quatro décadas mais tarde, durante a temporada de moda em Nova York, ativistas do People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) invadiram o desfile anual da Victoria’s Secret em protesto com alvo específico: Gisele Bündchen, que cruzou a passarela na ocasião, dividiu o espaço com cartazes com as palavras Gisele: fur scum (Gisele: escória de peles).

Protesto de mulheres a favor da minissaia na frente da Dior, em Paris, em 1966 (Foto: Getty Images)
Em fashion weeks mais recentes, as apresentações da Louis Vuitton e Dior, em entre 2020 e 2021, também tiveram sua cota de protestos ambientais, com “penetras” nas passarelas carregando mensagens como “Somos todos vítimas da moda” e “Consumo Excessivo = Extinção”. Agora, na noite anterior à estreia oficial da temporada de desfiles de setembro de 2023, duas manifestantes do PETA entraram na passarela da Coach, na Biblioteca Pública de Nova York, para protestar sobre o uso do couro. Uma delas surgiu com uma pintura corporal, revelando músculos e tendões, enquanto a outra segurou uma placa com os dizeres “Coach: leather kills” (Coach: o couro mata).
Na sala recheada de celebridades (de Jennifer Lopez ao rapper Lil Nas X), a discussão, mais do que nunca, soou pertinente. Enquanto o uso de peles exóticas já virou tabu entre fashionistas (em 2022, a semana de moda de Copenhague baniu o material, seguindo a mesma decisão de gigantes como Saint Laurent, Gucci, Balenciaga, Bottega Veneta, Burberry e Alexander McQueen), o couro ainda segue como um dos materiais mais consumidos na indústria. No ano passado, por exemplo, para atender a demanda de clientes pós-pandemia, a Hermès abriu um novo ateliê dos chamados leather goods depois de um crescimento de 23% em relação ao ano anterior.

Gisele Bündchen no desfile da Victoria’s Secret em 2002, palco de protestantes do PETA contra o uso de peles na moda (Foto: Getty Images)
Mas se as vendas refletem um movimento entre consumidores, também não isentam o mercado de controvérsias. Ao contrário, nos últimos anos, as discussões sobre a crueldade animal para fins fashionistas se tornaram assunto central nas redes sociais – um movimento que já resultou em sinais de mudança entre os grandes nomes da moda. Em 2021, a designer e ativista ambiental inglesa Stella McCartney introduziu seus primeiros looks e acessórios em couro vegano, criados a partir de cogumelos em parceria com o laboratório Bolt Threads. O “couro de micélio” virou tendência (Paris Jackson esteve entre as primeiras celebridades a adotar o material) e influenciou mudanças na indústria. Também naquele ano, a Adidas usou o mesmo material para criar tênis esportivos e, ironicamente, a própria Hermès investiu na tecnologia, lançando versões veganas de bolsas em couro de cogumelo em parceria com a MycoWorks.
Com poucos meses de diferença, a Gucci entrou na onda com seu “couro” Demetra, ainda que sem conseguir escapar de críticas. Apesar da inovação, o material usa componentes sintéticos em sua produção – uma questão fundamental nos debates sobre o fim, ou não, do uso de couro animal na moda. Afinal, se os couros de micélio se mantêm na indústria como produtos de luxo, ativistas e simpatizantes com menos acesso às novas tecnologias cruelty-free sentem a necessidade de buscar alternativas nos “couros veganos”, muitas vezes criados a partir de plásticos.

Tênis da Gucci em material vegano Demetra, uma alternativa ao couro, lançado em 2021 (Foto: Divulgação)
Nesses casos, o assunto ao redor da sustentabilidade fica em jogo, já que, para muitos consumidores e internautas, a redução na qualidade (com a atual tecnologia disponível para a produção desses materiais) resulta em um volume de descarte significativamente maior em relação a roupas e acessórios de couro genuíno. Na natureza, micro plásticos levam anos para degradar, além de contaminar ambientes (em particular, os oceanos) com químicos ingeridos por peixes e outros animais que, mais tarde, também são consumidos por seres humanos.
Nada disso, porém, diminui ou exclui o impacto ambiental do couro genuíno, que provém majoritariamente da agropecuária, responsável por milhares de quilômetros de desmatamento anualmente – uma das causas por trás do aumento das temperaturas no planeta. Só no Brasil, um dos maiores representantes desse setor, o uso da terra para fins de criação de gado foi responsável por 90% da perda de biodiversidade entre 1985 e 2019, segundo estudos da Mapbiomas (projeto que reúne pesquisas de ONGs, empresas de tecnologia e universidades) divulgados em 2020.

Protesto no desfile da Dior de primeira 2021, em setembro de 2020, com o cartaz “Somos todos vítimas da moda” (Foto: Getty Images)
O que a Coach, portanto, tem a ver com isso? Desde que surgiu em Manhattan, em 1941, a marca está entre as go-to brands para clientes de luxo que buscam acessórios de couro e sua popularidade (a exemplo das celebs que pincelam as primeiras filas de seus desfiles) não dá sinais de diminuir. Vale lembrar que, há poucas semanas, em agosto de 2023, o conglomerado Tapestry, dono da Coach e Kate Spade, adquiriu a Capri – empresa proprietária da Michael Kors, Versace e Jimmy Choo – por 8,5 bilhões de dólares em uma das “apostas” de mercado mais significativas em anos recentes.
No quesito sustentabilidade, a Tapestry e Coach não escapam do tema. Em 2022, anunciaram uma parceria com o projeto Land to Market, do Insituto Savoy, para apoiar a agricultura regenerativa, diminuir seus impactos no meio ambiente e anular suas emissões de CO2 na atmosfera até 2050. Em paralelo, a Coach também inclui entre seus produtos os acessórios Upwoven, criados a partir de tiras de couro anteriormente descartadas nas fábricas, como parte das iniciativas Coachtopia e Coach (Re)Loved. Ainda assim, a marca não tem planos divulgados sobre a introdução de alternativas veganas para seus itens de couro.

Paris Jackson com look Stella McCartney feito de couro de cogumelo, em 2021 (Foto: Divulgação)
Na moda internacional, grandes players seguem em busca de alternativas para o uso do material. O Piñatex, criado em laboratório a partir de cascas de abacaxi, já foi explorado por etiquetas como Hugo Boss, Nike e gigantes do fast-fashion, como Zara e H&M. Outros caminhos, mesmo que não veganos, também já se tornaram fonte para marcas como Louis Vuitton, Prada, Dior, Ferragamo e John Galliano, a exemplo do couro de peixe coletado pela empresa islandesa Atlantic Leather, que procura aproveitar os 40 quilos de pele descartados a cada uma tonelada de pesca, segundo a dados da própria companhia.

Protesto no desfile da Louis Vuitton, de primavera 2022, em 2021, com o cartaz “Consumo excessivo = extinção” (Foto: Getty Images)
Se a indústria fashion tem caminhado em direção às alternativas sustentáveis, a influência do altruísmo é discutível. Nas redes sociais, manifestações socioambientais são cada vez mais frequentes a medida que as temporadas de moda criam verdadeiros espetáculos que, hoje, furam a bolha do nicho de fashionistas e atingem públicos igualmente engajados em promover mudanças. Em uma era em que os avanços nas tecnologias sustentáveis se mostram cada vez mais rápidos, a moda faz bem em se movimentar no mesmo ritmo.