Foto: Brian Doherty/Arquivo Harper’s Bazaar

A essa altura, você já ouviu falar dos grupos ativistas anti-vaxx. Muitos trazem na bagagem o não à vacina contra o coronavírus como forma de protestar pela obrigatoriedade de injetar o que eles consideram uma “droga” no organismo. E fazem da liberdade de escolher uma vida saudável e livre de químicas sua bandeira, alegando que a vacina altera níveis energéticos e vibracionais do corpo, com efeitos desconhecidos a longo prazo.

Há ainda um pequeno grupo que vai além, e se envolve em teorias conspiratórias, como as que pregam que todos que tomam a vacina contra a Covid-19 passam a ser rastreáveis por meio de um microchip. É o extremo do extremo.

De sucos e smoothies naturais que evitam e até curam câncer, à meditação como remédio natural contra doenças reais, diabetes entre elas, as redes sociais se tornaram palco de propagação de receitas de alimentos e atitudes milagrosas em prol da boa saúde. Em comum, todos defendem que os obstáculos podem ser superados apenas com dieta orgânica, exercícios, níveis suficientes de vitamina D e pensamento positivo. E nada mais.

Depoimentos se multiplicam em Instagram, Facebook e Youtube, com histórias de pessoas que curaram anos de distúrbios intestinais com um bowl de nutrientes anti-inflamatórios, ou a depressão grave com meditação transcendental. Nenhum deles com comprovação científica, apenas relatos de casos – o que vai contra os princípios e a base da ciência ocidental, o que de melhor temos como embasamento até agora. É o que especialistas têm chamado de “dark side of wellness”.

Nada errado com o arsenal natureba – muito pelo contrário, ele é, de longe, a melhor arma da boa saúde. Mas defender o uso de métodos de cura alternativos no lugar dos cientificamente reconhecidos como eficazes é a raiz do problema que o mundo enfrenta hoje. Por conta da rápida disseminação dessas informações, muitas pessoas acabam embarcando em teorias de influenciadores wellness com pouco ou nenhum background para suas pregações. Ser vegano não faz de ninguém um porta-voz da saúde alternativa em detrimento da medicina tradicional. “É preciso ter cuidado porque há muito engodo e charlatanismo na internet. Siga apenas fontes sérias e coerentes com pesquisas clínicas corretas”, alerta o médico nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração, de São Paulo.

 

Foto: Brian Doherty/Arquivo Harper’s Bazaar

Ignorar a ciência tem se provado mais perigoso do que se imaginava – e a explosão de casos da nova variante ômicron do coronavírus está aí para provar que países que não aderiram à vacinação em massa estão pagando o seu preço com a alta das internações, inclusive. Ou seja, a atitude de poucos pode impactar na maioria.

O ideal de saúde holística tem ainda um outro questionamento: pode funcionar, sim, mas para um classe mais privilegiada social e economicamente, com acesso a bons hospitais e medicamentos, caso a terapia estritamente natural não se mostre efetiva. Não é o que acontece com os menos favorecidos – em todo o mundo, pretos e pobres são os mais afetados pela Covid-19.

Há ainda uma indústria bilionária por trás dos gurus de wellness, que vendem um universo de suplementos de clean eating, superfoods, cristais, banhos de autocuidado, skincare vegano e, claro, todo tipo de acessório para as práticas de ioga e meditação.

A indústria do bem-estar hoje vale 4,5 trilhões de dólares, com a marca Goop, de Gwyneth Paltrow valendo 250 milhões sozinha. Seu site, aliás, fez uma lista de produtos recomendados por seu “praticante de medicina funcional” para ajudar a aliviar a Covid longa. Nenhum respaldo médico. Pessoas como Paltrow e a modelo autraliana Miranda Kerr, que lançou sua marca de skincare Kora Organics, e tem mais de 12 milhões de seguidores no Instagram, têm enorme poder de sedução e persuasão. E há um esquadrão de pessoas desassistidas e vulneráveis em busca de todo o tipo de atenção.

Por fim, o movimento wellness é inegavelmente importante, mas, sem controle, codifica um individualismo desenfreado: a ideia de que somente você é responsável por seu bem-estar. Os gurus tratam a si mesmo como uma fonte de melhorias sem fim. Mas o fato é que, no fim das contas, a pandemia trouxe à tona a verdade de que a boa saúde é um luxo. Nos países mais ricos, como a Inglaterra, os mais abastados vivem em média uma década a mais do que os mais pobres.

Mais do que olhar para dentro, esse é um momento de olhar para fora, para o mundo, e entender como melhorá-lo. E isso inclui alguns sacrifícios e atitudes contra a vontade, em prol de um bem maior. Como tomar a vacina, por exemplo, e proteger a si e aos mais vulneráveis. O bem-estar cego, ao contrário, incentiva as pessoas a encontrarem realização espiritual e um corpo saudável olhando única e exclusivamente para si. Um wellness egoísta, enfim.